quarta-feira, 25 de maio de 2011

O que ainda faz falta...

r O Prof. Vasco Pereira da Silva, expõe alguns aspectos essenciais do Processo Administrativo que num estado democrático e de direito têm de encontrar solução e consagração e que contudo não foram ainda abrangidos pela reforma.
Primeiramente, a questão da responsabilidade civil publica que terá de ser regulada em termos adequados à Constituição da República Portuguesa e de acordo com um sistema coerente. Devendo passar por uma unificação no âmbito da jurisdição administrativa da competência para conhecer dos litígios que se refiram a todas as funções estaduais, comportando assim a função politica, legislativa e jurisdicional Devendo por outro lado acabar com distinções que o Professor classifica como “ilógicas e artificiais” sendo exemplo a gestão pública e a gestão privada.
Relativamente a este tema, a lei 67/2007 de 31 de Dezembro não se demonstrou suficiente, pois apesar de regular o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Pessoas Colectivas Publicas (uniformizando assim o regime jurídico aplicável à responsabilidade decorrente do exercício de funções administrativas, político-legislativas e judiciais), mantêm uma lógica que o Prof. Vasco Pereira da Silva classifica como “esquizofrénica” do tratamento da responsabilidade administrativa.
Por outro lado, outro ponto que se revela como essencial, é o do alargamento da aplicação do Código do Processo dos Tribunais Administrativos ao âmbito da justiça tributaria. Pois se o objectivo passa pela especialização dos tribunais tributários no domínio da jurisdição administrativa e fiscal, ela justifica-se em razão da matéria e não por virtude das regras processuais. Ilógico será que na mesma jurisdição que se encontra consagrada unificadamente na nossa Constituição no seu art. 20, reinem dois regimes jurídicos processuais diferentes como acontece com os tribunais jurídicos e fiscais.
Cabe ainda, acompanhar a aplicação criadora das novas regras processuais pela jurisprudência, reajustando as normas conforme as necessidades que forem sendo evidenciadas pela prática, evitando assim a estagnação do contencioso administrativo.
Será ainda necessário, proceder à compatibilização das novas normas processuais com o Código do Procedimento Administrativo, no que respeita às formas de actuação administrativa. O Prof. Vasco Pereira da Silva ressalva contudo que a importância das matérias em causa irá obrigar à “ponderação e discussão de diferentes alternativas em função das circunstâncias presentes e de juízos de abertura ao futuro e não dos traumas do passado de forma a evitar reformas precipitadas, minimalistas e meramente cosméticas.”

Fica assim em jeito de apanhado, aquelas que são para o Prof. Vasco Pereira da Silva as principais carências do actual Contencioso Administrativo.

Breve análise ao problema do contencioso da responsabilidade civil publica

A responsabilidade civil das entidades públicas, é essencial sendo inclusivamente nas palavras do Prof. Vasco Pereira da Silva, um “pilar” do estado de direito, que encontra consagração no art. 22 da CRP, contudo o direito a indemnização quando forem lesados direitos fundamentais é também ele um direito fundamental nos termos do art. 16 e 17. Assim é necessário atentar no relacionamento entre as normas da lei fundamental e a lei ordinária, verificando ainda como alerta o Prof. Vasco Pereira da Silva a questão “se o direito da Responsabilidade civil extracontratual da administração pública é Direito Constitucional concretizado ou por concretizar.”
A reforma entrada em vigor em 2004, é incompleta no que respeita a esta matéria. Apesar da matéria da responsabilidade civil publica integrar as propostas legislativas que compunha a Reforma do Contencioso Administrativo, a mesma acabou por não ser aprovada na Assembleia da República
Agravando, o regime jurídica da responsabilidade extracontratual do estado e demais entidades públicas, vigorando pela Lei no 67/2007 de 31 de Dezembro, acabou por não resolver todas as questões e consagrou um regime que na opinião do Prof. Vasco Pereira da Silva “não é inteiramente coerente com a letra e o espírito da reforma administrativa.”

A importância da Revisão Constitucional de 1997 para o Contencioso Administrativo

A revisão constitucional de 1997 no que toca ao contencioso administrativo, pauta-se por dois pontos-chave de influência.
Primeiramente, esta revisão vem reafirmar as grandes opções da revisão constitucional de 1989, nas quais se destacam pela sua importância:
A jurisdição administrativa especial no âmbito do poder judicial, consagrada no art. 209 da CRP.
As relações jurídicas administrativas como objecto do contencioso que encontra lugar na nossa constituição no número 3 do artigo 211.
A impugnabilidade do acto lesivo, que encontra previsão no art. 268 n4 da CRP.
Por outro lado esta revisão vem regular de um novo modo a garantia constitucional de acesso à justiça administrativa, consagrando o direito fundamental à impugnação de normas no art 268n5 e tal como afirma o Prof. Vasco Pereira da Silva : “enunciando os demais meios processuais do contencioso administrativo, enquanto instrumentos ao serviço do direito à tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, no nº 4 do artigo 268”
É aqui que reside a grande diferença, não se prendendo assim com meras alterações de foro formal, mas com uma mudança substancial da lógica com que se interpreta e entende o contencioso administrativo, que segundo esta revisão acabara por se centrar numa tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares. É em torno deste princípio que se irão definir e organizar os diferentes meios processuais. Existe assim uma inversão, após esta revisão são os meios processuais que giram em torno da tutela referida e não o contrário.
Esta protecção era garantida através de sentenças cujos efeitos não se bastariam com a simples apreciação e reconhecimento de direitos mas também à condenação à prática de actos administrativos legalmente devidos e ainda a impugna dos actos administrativos bem como adequadas medidas cautelares. O Prof. Vasco Pereira da Silva considera isto como “a superação de todos os complexos de infância difícil do Contencioso Administrativo que nascera como um recurso hierárquico institucionalizado, em que os poderes do juiz eram limitados à anulação dos actos administrativos mas que agora se tinham transformado num contencioso pleno e subjectivo em que os efeitos não se defrontam com qualquer limitação natural ou congénita, antes devem ter por critério e medida (a plenitude e efectividade) dos direitos dos particulares necessitados de tutela.” Estas opções por constarem de um direito fundamental de acesso à justiça administrativa com natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, gozavam, desde logo de aplicabilidade imediata pelo art. 18 da CRP.
Foi assim uma antecipação da presente reforma do contencioso administrativo. Que obrigou o legislador a uma intervenção cada vez mais necessário para concretizar o modelo de contencioso administrativo da lei fundamental. Tornando assim a reforma numa urgência.

Artigo 109º a 111º CPTA - Intimação para protecçao de direitos, liberdades e garantias

Este meio processual regulado nos arts. 109.º a 111.º do CPTA constitui um processo autónomo, isto é um processo principal, e não cautelar, que implica a emissão duma decisão definitiva e destina-se a dar cumprimento à exigência ditada pelo art. 20.º, n.º 5 da CRP, quando nele se estatui que para “… defesa dos direitos liberdades e garantais pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos …”, normativo este que constitui uma das mais relevantes inovações introduzidas pela Lei Constitucional n.º 01/97.

Constituindo um processo de intimação, isto significa que se trata de um processo dirigido à emissão de uma sentença de condenação, mediante a qual o tribunal impõe a adopção de uma conduta, positiva (uma acção), ou negativa (uma abstenção).

Os pressupostos de admissibilidade deste processo urgente são os seguintes:

a) A necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo do processo que seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia;
b) Que o pedido se refira à imposição dum conduta positiva ou negativa à Administração ou a particulares;
c) Que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, no âmbito de uma acção administrativa normal (comum ou especial).

Do exposto se conclui a natureza subsidiária da intimação, pois do artigo 109º CPTA, se extrai que a necessidade da intimação urgente, sob a forma de decisão definitiva, afere-se pela impossibilidade ou insuficiência da intimação urgentíssima provisória, sob a forma de decisão cautelar, regulada no artigo 131º, para assegurar uma protecção eficaz destes direitos.

Ou seja, a regra em matéria de tutela jurisdicional é o lançar mão das formas de tutela principal não urgente para efectivação e defesa de direitos, liberdades e garantias, ficando a tutela principal prevista nos arts. 109.º e seguintes do CPTA reservada apenas para as situações em que aquela via normal não é possível ou suficiente para assegurar o exercício em tempo útil e a título principal do direito, liberdade ou garantia que esteja em causa e cuja defesa reclame uma intervenção jurisdicional.

A intimação será absolutamente necessária quando não puder ser dispensada, ou seja quando, para proteger direitos fundamentais, a intensidade da necessidade de protecção imediata impeça, por não ser possível em tempo útil, o recurso a um outro meio processual (por exemplo a acção administrativa comum) que seria o meio adequado ou o meio próprio para resolver definitivamente a questão existente.

A este propósito referem M. Aroso de Almeida e C.A. Fernandes Cadilha que o “… processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é, assim, instituído como um meio subsidiário de tutela, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, nas situações - e apenas nessas - em que as outras formas de processo no contencioso administrativo não se revelam aptas a assegurar a protecção efectiva de direitos, liberdades e garantias.
(…) O que em situações deste tipo é necessário, é obter, em tempo útil e, por isso, com carácter de urgência, uma decisão definitiva sobre a questão de fundo: a questão tem de ser definitivamente decidida de imediato, não se compadecendo com uma definição cautelar. O processo principal urgente de intimação existe precisamente para suprir as insuficiências próprias da tutela cautelar, que resultam do facto de ela ser isso mesmo, cautelar …”

Nesta matéria não podemos ainda deixar de ter em atenção o mencionado por Isabel Celeste Fonseca quando sustenta que a “… a intimação será absolutamente necessária quando não puder ser dispensada, ou seja quando, para proteger direitos fundamentais, a intensidade da necessidade de protecção imediata impeça, por não ser possível em tempo útil, o recurso a um outro meio processual (por exemplo a acção administrativa comum) que seria o meio adequado ou o meio próprio para resolver definitivamente a questão existente …” (in: “Dos Novos Processos Urgentes no Contencioso Administrativo (Função e estrutura)”, págs. 76 e 77).
E continua a citada autora “… para compreender o conceito de subsidiariedade estabelecido no art. 109.º, o que conta é a capacidade ou incapacidade da medida cautelar para regular definitivamente uma situação e não a urgência.(…) de acordo com a letra da lei, subjacente à necessidade da intimação urgente definitiva existe uma situação de urgência, mas para a qual não servem as vias processuais comuns, porque são lentas demais, nem presta a medida cautelar urgentíssima. E esta não serve por uma razão: porque é uma medida cautelar e, por isso, porque é caracterizada pela provisoriedade. E, não satisfazendo no caso concreto o regulamento provisório, ela deve ser preterida perante o processo urgente que julgue definitivamente o mérito da causa.
(…) A forma como o factor tempo interfere com o direito que é objecto do processo e de como este só se realiza se a decisão do juiz for imediata são condições que obrigam à emissão de uma decisão que não pode ser provisória, porquanto qualquer que seja a decisão formal que o juiz emita, ao pronunciar-se sobre o pedido cautelar, ele decide sobre o objecto do processo principal (que vier a ser proposto, se entretanto o não foi), já que, nestes casos, o objecto medito dos processos se identifica com a referência à situação substancial a acautelar. E esta não se compadece com uma decisão provisória.
(…) Contudo, nem todas as situações de urgência se satisfazem sem que as decisões antecipatórias ultrapassem os limites da técnica da antecipação. São estas que cumpre identificar caso a caso. E sempre no caso concreto, através dum juízo de prognose, que estas se identificam: i) são de natureza improrrogável, que reivindica uma composição jurisdicional inadiável; ii) têm uma natureza que não se compadece com a provisoriedade jurisdicional e que obriga o juiz a pronunciar-se de modo definitivo. Definitivo, no sentido de solução fatal, já que ela matará a utilidade posterior de qualquer sentença de mérito que vier a ser emitida no âmbito de um processo principal que conheça sobre essa situação, de modo mais profundo …” (in: ob. cit., págs. 78 a 83).

Concluindo a referida autora sustenta que existem “… situações claras de urgência que são propícias a exigir decisões de fundo. De uma forma generalista, podemos dizer que a situação de urgência pode manifestar-se pela sua configuração em função do tempo: situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou em datas fixas - questões conexas com uma eleição, incluindo campanhas eleitorais, situações decorrentes de limitações ao exercício de direitos num certo dia ou numa data próxima, actos ou comportamentos que devam ser realizados numa data fixa próxima ou num período de tempo determinado, como exames escolares ou uma frequência do ano lectivo. Podem configurar igualmente casos de urgência situações de carência pessoal ou familiar, em que esteja em causa a própria sobrevivência pessoal de alguém. Casos relativos à situação civil ou profissional de uma pessoa podem constituir igualmente uma situação de urgência.
(…) Este processo de intimação urgente definitiva permite ao juiz, no domínio de direitos, liberdades e garantias, decidir legitimamente a questão de fundo de modo definitivo, nos casos em que as situações concretas de urgência verdadeiramente o mereçam e o exijam.
Para compreender os pressupostos de admissibilidade da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, deve partir-se da consideração da absoluta necessidade de emissão de uma decisão de mérito pelo facto de uma medida cautelar se revelar, num certo caso, como impossível ou insuficiente.
Já o caso oposto, quando se deva entender que a questão subjacente, ainda que seja relativa a direitos, liberdades e garantias, possa provisoriamente ser composta por via cautelar, esta deve ser a escolha preferida em detrimento da intimação definitiva, podendo actuar cumulativamente com um outro instrumento de tutela principal ...”(in: ob. cit., págs. 84 e 85)

Bibliografia:
M. Aroso de Almeida e C.A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2.ª edição revista
Isabel Celeste Fonseca in “Dos Novos Processos Urgentes no Contencioso Administrativo (Função e estrutura)”

Princípios do processo administrativo relativos à prova



O processo administrativo no âmbito da prova (ou da instrução) é regido pelos seguintes princípios:

  •   Princípio da investigação (do inquisitório ou da verdade material);
  •  Princípio da universalidade dos meios de prova;
  • Princípio da aquisição processual;
  • Princípio da livre apreciação das provas;
  • Princípio da repartição do ónus da prova objectivo (“material” ou “de averiguação”).


De acordo com o princípio da investigação do inquisitório ou da verdade material), os fundamentos da decisão do juiz não têm de se limitar aos factos carreados pelas partes, ao contrário do que acontece num modelo processual caracterizado pelo princípio da discussão, da contradição ou da verdade formal. O princípio da verdade material adquire, assim, no processo administrativo, uma especial relevância. Permite-se por outro lado um verdadeiro inquisitório, quando, além, de se possibilitar ao Ministério Público (MP) a faculdade de solicitar ao juiz as diligências de instrução que entenda (artigo 85.º, n.º 2 CPTA), se autoriza o próprio juiz a ordenar diligências de prova que considere necessários para o apuramento da verdade (artigo 90.º, n.º 1 CPTA). Pode ainda o juiz recusar requerimentos para produção de prova sobre determinados factos ou para utilização de meios de prova, quando o considere claramente desnecessário (artigo 90.º, n.º 2 CPTA).

Constituem limites à procura da verdade material por parte do juiz e do MP, o pedido e a causa de pedir (limites externos), bem como, a tipicidade da tramitação. Contudo, os poderes do juiz são entendidos de modo mais amplo, no âmbito dos processos de impugnação de actos, principalmente quanto à possibilidade de estender a instrução a “factos instrumentais” e, ainda, quanto à possibilidade do juiz poder qualificar autonomamente os vícios invocados (na perspectiva de o juiz ter o poder e o dever de conhecer oficiosamente das causas de invalidade do acto impugnado).
Com a reforma, passou a vigorar o princípio da universalidade dos meios de prova, visto que deixou de haver as anteriores limitações legais de prova, como a proibição de depoimento da autoridade recorrida e a exclusão da prova testemunhal e por inspecção em certos processos. Assim apenas constituem limite aos meios de prova as proibições de prova resultantes do artigo 32.º, n.º 6, da Constituição. Ainda que a disposição em causa se refira directamente ao processo criminal vale para todos os processos, tendo maior amplitude no processo administrativo, uma vez que, não são admitidas as excepções previstas para o processo penal.         

Do n.º 2 in fine do artigo 90.º CPTA, resulta que são aplicadas à produção de prova as regras gerais do processo civil, seja no âmbito da acção administrativa especial seja no âmbito da acção administrativa comum.

O princípio da aquisição processual constitui uma decorrência do princípio da verdade material, segundo este o tribunal deverá tomar em consideração todas as provas produzidas, sendo os factos considerados adquiridos para o processo mesmo que prejudiquem quem os alegou (artigo 515.º Código de Processo Civil).

Estabelece o princípio da livre apreciação das provas, que o que torna um facto provado é a íntima convicção do juiz, formada de acordo com a sua experiência de vida. O que não significa que a livre convicção do juiz constitua um livre arbítrio, uma vez que, esta tem como pressupostos valorativos os critérios de experiência comum e da lógica do homem médio (bonus paterfamilias). Limita ainda este princípio o princípio do contraditório, no sentido em que a decisão do juiz não poderá ter por base factos sobre os quais alguma das partes não tenha tido a possibilidade de se pronunciar. A lei estabelece algumas compressões a este princípio, nomeadamente nos artigos 84.º, n.º 5 e 118, n.º 1 CPTA.

Por fim no que toca ao princípio da repartição do ónus da prova objectivo (“material” ou “de averiguação”), cabe referir que não vale no processo administrativo um ónus da prova subjectivo, mas antes um ónus da prova objectivo no sentido em que se pressupõe uma repartição adequada dos encargos de alegação, de modo a repartir os riscos de falta de prova. No sentido objectivo o ónus da prova dependerá sempre da situação processual das partes, tendo contudo, segundo o Professor Vieira de Andrade, de se determinar “de acordo com um quadro de normalidade concreto ou típico, construído com base nas regras específicas do domínio da vida em causa e nos princípios próprios do direito administrativo”.

É aplicável ao processo administrativo a regra geral do artigo 342.º do Código Civil (quem invoca um direito tem o ónus da prova dos respectivos factos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos). Contudo, no âmbito dos processos impugnatórios impõe-se um regime especial. Nessa senda, não se pode exigir ao autor a prova dos factos constitutivos da sua pretensão de anulação, de modo a caber à Administração apenas a prova das excepções invocadas, dever-se-á antes sujeitar a Administração aos princípios da legalidade e da juridicidade e ao dever de fundamentação, isto é, caberá a esta o ónus da prova da verificação dos pressuposto legais da sua actuação, cabendo ao autor fazer prova bastante da ilegitimidade do acto.



Bibliografia

VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2011.      

O processo de partes


 Portugal abandonou a visão objectivista que residia como seu modelo processual baseada no princípio da legalidade e a sua conformação numa actuação administrativa, prosseguindo o interesse público. Nesta concepção, tanto a Administração como os particulares não eram considerados partes, pois todo o processo girava em torno do acto administrativo, absorvendo tudo o resto. Existia uma mera relação de poder, não passando disso mesmo.
 É em 1976 que a Constituição faz braço de ferro a essa relação íntima da Administração e poder jurisdicional, integrando o Contencioso Administrativo no Poder Judicial. Contudo, essa separação não foi logo efectuada de modo claro. Nos dias de hoje, regemo-nos por uma concepção subjectivista, tutelando os direitos e as posições jurídicas dos particulares.
Assim sendo, o Tribunal consagra a regra de que tanto a Administração como os particulares são partes, princípio da igualdade, artigo 6º do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos. Este artigo 6º possibilita que qualquer uma das partes seja sancionada pelo tribunal, por litigância de má fé. Já no referente ao regime das custas, qualquer uma das partes pode ser responsabilizada e condenada ao seu pagamento. Os princípios de boa fé e cooperação das partes, presentes no artigo 8º do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos concluem tal ideia. Com esta consagração, rompe-se de vez a corda que ainda ligava o Contencioso Administrativo Português ao modelo objectivista. Diga-se, passa-se de um processo sem partes, de uma promiscuidade clara entre Administração e Poder Judicial, a um processo de partes, em que o particular e a Administração se encontram na mesma situação processual, tendo ambos o dever de colaborar com o juiz na procura da verdade. O artigo 268º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 209º da mesma, consagram a inclusão do Contencioso Administrativo no Poder Judicial, bem como a tutela dos direitos e interesses dos administrados.
O Contencioso Português, acolhendo uma tutela subjectiva, traduzida na intervenção dos sujeitos privados, visa a protecção dos seus direitos subjectivos, de acordo com o artigo 9º nº 1 do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos.
Contudo, ao lado dos sujeitos particulares referidos em cima, têm de ser considerados o actor popular e actor público, actuando estes em defesa da legalidade e do interesse público, preservando assim uma vertente objectiva, dentro de um processo organizado de modo subjectivo.
Como Conclusão, enalteço tal evolução, já que é de louvar a inclusão dos sujeitos das relações multilaterais no processo, trazendo com uma maior igualdade, uma maior justiça. Para finalizar, de salientar o Professor Vasco Pereira da Silva, incentivando o legislador e jurisprudência para muitas e novas ideias que permitam um maior e melhor aperfeiçoamento e do Contencioso Administrativo.
                                   

Artigo 22º da CRP e a sua relevância para o direito administrativo


O artigo 22º da CRP consagra o princípio geral da responsabilidade dos entes públicos da administração pública.

O artigo 22º CRP tem então uma imensa relevância jurídica já que a responsabilidade das entidades publicas, que por acções ou omissões, resulta da violação de direitos, liberdades e garantias dos particulares.
É possível afirmar que este artigo implica toda a Administração Pública, não só o Estado.
Segundo afirmam alguns autores, o final deste artigo pressupõe a responsabilidade sem dano, no caso de se verificar somente a violação de direitos, liberdades e garantias dos particulares, o que nos levaria para um reforço dos direitos fundamentais. No entanto, existem grandes doutorados em direito que vêm refutar esta concepção, como o professor Jorge Miranda, desde logo porque a violação de direitos, liberdades e garantias, pressupõe por si só a criação de um dano. Mas também pelo facto de no próprio artigo constar “civilmente responsáveis”, ou seja, atendendo ao pressuposto do dano da responsabilidade civil.
A referência á pratica e responsabilidade por factos ilícitos também constam deste artigo 22º CRP, aquando se enquadra o prejuízo a par da violação de direitos, liberdades e garantias.
Quanto aos princípios inerentes ao artigo em apreço cumpre referir o princípio da solidariedade do ente público e do titular dos seus órgãos, funcionários ou agentes, observando assim os artigos 512º e seguintes do CC por remissão da própria CRP no artigo 271º, nº4. Estabelece, assim, o artigo 22º da CRP, a existência de solidariedade em todos os casos de responsabilidade por actos funcionais, incluindo os ilícitos e os praticados no exercício da gestão privada.
De referir que este artigo será conjugado com o artigo 271º do mesmo diploma, que restringe a aplicação da solidariedade em caso de responsabilidade por acto ilícito, pelo que deveremos conjugar com o artigo 22º para estender a possibilidade de solidariedade ao artigo 271º, que só menciona os funcionários e agentes do Estado
Sendo que os titulares dos órgãos do estado e demais entidades públicas não se encontram presentes no artigo 271, deveremos aplicar o artigo 120º e 218º conjugado com o artigo 22º CRP.

Este artigo, como é possível perceber pela breve analise acima enunciada, terá bastante relevância para o direito administrativo, já que a responsabilidade civil dos órgãos e demais entidades da Administração Publica vem consagrada na própria constituição, impondo o principio de solidariedade, muitas vezes, como solução.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Evolução do Contencioso Administrativo nos Sistemas Britânico e Francês


   O Contencioso Administrativo surgiu na Revolução Francesa de 1789 e foi marcado por uma ligação da Administração à Justiça, que corresponde à fase do “pecado original”, havendo uma confusão entre a função de administrar e a função de julgar, ou, nas palavras do Prof. Vasco Pereira da Silva, “promiscuidade entre as tarefas de administrar e de julgar”. A lei proclamava a não interferência na Administração por parte dos tribunais judiciais com a justificação do princípio da separação de poderes, do ilustre Montesquieu. Dizia no seu “De L’Esprit des Lois” que o poder judicial “é o poder através do qual o Estado julga e pune os particulares pelos seus diferendos”. Logo, segundo a lógica da separação de poderes, nunca poderia um tribunal julgar a Administração, porque estava fora do “verdadeiro” poder judicial. Para mais, os juízes seriam apenas, a partir da Revolução Francesa, bocas que pronunciavam as palavras da lei. Entidades desprovidas de poder, os juízes eram invisíveis ou nulos uma vez que não estavam ligados a nenhum Estado.
   Em 1799 foram então criados os tribunais administrativos (o primeiro terá sido o “Conseil d`État”), incumbidos de julgar a Administração, mas que não eram verdadeiros tribunais, tratando-se de órgãos com funções meramente consultivas e também funções de resolução de litígios administrativos, através da emissão de “pareceres”, que eram sujeitos a homologação do Chefe de Estado.
   A reversão desta situação de “promiscuidade” só veio a ser atenuada com “o milagre da jurisdicionalização” - o que o Prof. Vasco Pereira da Silva denomina de “baptismo”, ligada ao surgimento do Estado Social - que consiste na progressiva transformação dos tribunais administrativos, ou antes, dos órgãos administrativos de controlo da administração, em verdadeiros tribunais e que vem a ocorrer desde os finais do século XIX e durante o século XX. Simultaneamente o Direito Administrativo deixa, progressivamente, de ser o direito que “protege” a administração, que a privilegia nas relações com terceiros. Como escreve Freitas do Amaral o Direito Administrativo “ao nascer” fê-lo com base na ideia de que a administração, os seus órgãos e agentes, encontravam-se em posições diferentes das dos particulares uma vez que prosseguem o interesse público, devendo pois dispor de poderes de autoridade necessários à realização desse interesse geral. Este estaria acima dos diversos interesses particulares. O Direito Administrativo passa a ser o “direito regulador das relações jurídicas administrativas”.
   Uma terceira fase seguiu-se a estas duas (a partir da década de setenta do Século XX): a do “crisma ou confirmação”. É a afirmação jurisicional e subjectiva do Contencioso Administrativo. Ocorre primeiro numa base constitucional através da consagração em Lei Fundamental de verdadeiros modelos de Contencioso Administrativo, a equiparação dos tribunais administrativos aos tribunais comuns, com idêntica natureza, e a afirmação da independência das jurisdições administrativas, tal como são independentes as jurisdições comuns. Em segundo lugar assiste-se ao surgimento de uma dimensão europeia do Direito Administrativo. Necessária pelo facto de a própria União Europeia ser uma maquina administrativa (surge um Direito Administrativo de nível europeu). Necessária pela diversidade de sistemas administrativos que “populam” a Europa que impõe um movimento de convergência dos mesmos. A europeização contribuiu para a superação dos "traumas de infância" do Contencioso Administrativo, a par da constitucionalização, visando a garantia de uma efectiva e plena tutela jurisdicionalizada e subjectivizada. Existe ainda uma alteração do paradigma do Contencioso Administrativo, designadamente em relação à tutela cautelar e urgente, e à regulação dos direitos dos cidadãos nas relações de procedimento administrativo.
   Este sistema de administração executiva, que nasceu em França, vigora hoje em quase todos os países continentais da Europa ocidental, incluindo Portugal, desde 1832.



   No sistema administrativo de tipo britânico ou de administração judiciária, a separação de poderes significava a autonomia e independência de cada um dos poderes, através de uma limitação recíproca dos mesmos, mas daí resultava a sujeição da Administração aos tribunais comuns e às regras do direito comum. Os litígios entre as entidades administrativas e os particulares eram da jurisdição dos tribunais comuns e não da competência de tribunais especiais. Em consequência da consagração do império do direito (Rule of Law), o Rei, os outros órgãos e agentes da Administração Pública, os municípios e os particulares estão todos submetidos ao direito comum, não dispondo assim de privilégios ou prerrogativas de autoridade pública. Ainda segundo o princípio da separação de poderes, o Rei não podia resolver questões contenciosas, sendo também proibido de dar ordens aos juízes. O Rei ficou ainda sujeito ao direito, especialmente ao direito consuetudinário, que resultava de costumes sancionados pelos tribunais (Common Law). Os direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos ingleses foram consagrados no Bill of Rights (1689),que estabeleceu que o direito comum era aplicável a todos os britânicos, de qualquer parte da Grã-Bretanha. Nos primórdios, o sistema podia ser assim caracterizado pela não existência de Direito Administrativo.
   Mas com o surgimento da Administração Prestadora, o sistema britânico vai passar por dificuldades, no que respeita à ligação entre Direito e Justiça Administrativa, que não tinham ocorrido na fase do "pecado original". Devido à intervenção dos poderes públicos a nível económico, social e cultural nos finais do século XIX e século XX, surgem normas reguladoras da actividade administrativa e assim se começou a criar e a aplicar Direito Administrativo no Reino Unido.
   O controlo da Administração pelos tribunais comuns, enquadrados num poder judicial independente, revela-se ineficiente, graças à criação dos "administrative tribunals" (órgãos administrativos especiais). Estes órgãos possuem tarefas administrativas, mas também jurisdicionais, de controlo da actuação da Administração. Esta situação levou a uma "confusão" das relações entre Administração e Justiça, que se manifestou pela intervenção conjugada dos "administrative tribunals" com os "courts" (tribunais comuns). Diferentemente do sistema francês, em que na fase do "baptismo" do Contencioso Administrativo, os órgãos administrativos especiais transformaram-se em verdadeiros tribunais, no sistema britânico, surgiram os "administrative tribunals" que têm poderes de fiscalização da Administração, embora a "última palavra" tenha sempre que caber aos tribunais comuns ("courts") e não aos órgãos administrativos especiais. Nos dois sistemas, quem controla a Administração são tribunais independentes e autónomos, mas no sistema de administração executiva são os tribunais especiais, e no sistema de administração judiciária são os tribunais comuns.
Na fase da "confirmação" ou do crisma do Contencioso Administrativo, o Reino Unido, só nos anos 70, adquiriu dimensão constitucional. A esta "constitucionalização" acresce uma "especialização" progressiva do Contencioso Administrativo, designadamente através da reforma de 1977, que criou um tribunal especializado em matérias administrativas, no âmbito de uma unidade de jurisdição ("Queen's Bench Division" do "High Court") e da reforma de 1992, que estabeleceu alterações em matéria de garantias administrativas, nomeadamente a introdução de regras procedimentais. Esta última reforma contribuiu também para ser elevado a princípio da constituição material a regra segundo a qual existe um controlo do poder judicial relativamente às decisões das entidades administrativas.
   Relativamente à europeização do Contencioso Administrativo, a expressão de "Processo Administrativo Europeu" tem cada vez mais sentido, especialmente na actualidade. No sistema britânico, existe uma grande influência do Direito Europeu no Direito Administrativo.
É particularmente evidente a influência da constitucionalização e da europeização no que diz respeito à organização do sistema de garantias dos particulares, designadamente através da compatibilização das garantias administrativas e das judiciais. Os particulares podem assim sempre impugnar as decisões das entidades administrativas junto de um tribunal comum. Relativamente aos meios processuais, também existe uma grande influência, devido ao direito de acesso a um julgamento equitativo e ao Direito Cautelar Europeu, que implicou um alargamento da tutela cautelar.
   Este sistema de administração judiciária, com origem em Inglaterra, vigora actualmente na generalidade dos países anglo-saxónicos, incluindo os Estados Unidos da América.



Bibliografia:

- AMARAL, Diogo Freitas de – “Curso de Direito Administrativo”, Tomo I, 2006, Almedina
- ANDRADE, José Carlos Vieira de – “A Justiça Administrativa” (Lições) 8.ª edição, 2007, Almedina
- SILVA, Vasco Pereira da – “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, 2009, Almedina

A tutela jurisdicional efectiva


O princípio da tutela jurisdicional efectiva consiste no direito de acesso ao direito e aos tribunais, bem como o direito a obter uma decisão judicial em prazo razoável e mediante processo equitativo, compreendendo ainda o direito à efectividade das sentenças proferidas.
Este principio foi concretizado entre nós com a revisão constitucional de 1989 que veio dispôr sobre o conteúdo da tutela jurisdicional efectiva (art 268-4 e 5 da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP) pela impugnação de actos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, e ainda a autonomização da tutela que não se prende com impugnação de actos.
Com a revisão constitucional de 1997 foram introduzidas alterações de grande importância, nomeadamente: o princípio da tutela jurisdicional efectiva veio a ser consagrado em especial nos números 1, 4 e 5 do art 20 CRP (o direito de acesso aos tribunais administrativos; o direito ao julgamento por tribunal imparcial; direito a obter uma decisão em prazo razoável; direito à efectividade das sentenças); e ainda nesta mesma revisão constitucional ocorreram, a concretização do conteúdo da tutela jurisdicional efectiva pelo art 268-5 CRP na determinação da prática de actos legalmente devidos; a adopção de medidas cautelares adequadas; e por fim, a impugnação de normas administrativas.
A concretização da tutela jurisdicional efectiva no nosso ordenamento jurídico deu-se também por efeito do Direito Internacional, através dos arts 6-1 e 13 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e também o caso Lobo Machado; bem como pela jurisprudência do Direito Comunitário (jurisprudência Johnston, Heylens; Factortame; Oleificio Borelli, entre outros).
Actualmente, a garantia da tutela jurisdicional efectiva manifesta-se essencialmente: em primeiro lugar, no direito à protecção judicial; em segundo lugar, no princípio da tutela jurisdicional efectiva em matéria administrativa; e ainda, no princípio da plenitude dos poderes judiciais.
Começando pelo direito à protecção judicial, este vem consagrado no art 20 CRP, e garante aos cidadãos o direito de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, bem como os direitos à informação e consulta jurídica e ao patrocínio judiciário (art 20-1 e 2 CRP), estando ainda reforçado pelos números 2 e 3 do art 205 CRP que determinam a obrigatoriedade das sentenças para todas as autoridades e a imposição de legislação que garanta a sua execução efectiva.
O princípio da tutela jurisdicional efectiva em matéria administrativa, vem consagrado no art 268-4 e ss. CRP e no art 2-2 CPTA, e segundo o Professor José Vieira de Andrade, a tutela jurisdicional efectiva tem de ser assegurada numa tripla dimensão: quanto à disponibilidade de acções ou meios principais adequados, quanto ao plano cautelar e executivo, e quanto às providências indispensáveis para a garantia de utilidade e de efectividade das sentenças.
O princípio da plenitude dos poderes jurisdicionais, permite ao tribunal tomar as decisões justas e adequadas à protecção dos direitos dos particulares e assegurar a eficácia dessas decisões, determinando a lei actual relativamente aos juízes: o reforço dos seus poderes de pronúncia no plano declarativo (arts 67 e ss.; 77; e 95-3 CPTA); o poder de adoptarem providências cautelares (art 2-1 e 112 e ss. CPTA); poderes em sede de execução de sentenças (arts 3-3, e 157 e ss. CPTA); o poder de aplicação de sanções pecuniárias compulsórias (arts 3-2, 44, 49, 66, 84, 108, 110, 115, 127, 168, 169, e 179 CPTA); poderes de controlo da juridicidade de todas as actuações administrativas (limitados apenas pelo não conhecimento do mérito em função da separação e interdependência de poderes nos termos do art 3-1 CPTA, e pelo respeito pelos espaços de valoração próprios do exercício da função administrativa nos termos dos arts 71-2, 95-3, 168-2, e 179-1 CPTA); e ainda, poderes de substituição (arts 3-3, 109-3, 164-4 c), 167-6, e 179-5 CPTA).
Por fim, de uma forma sucinta, podemos apontar como principais concretizações da tutela jurisdicional efectiva: a consagração do princípio no art 2 do CPTA; a plenitude dos poderes do juiz administrativo nos termos do art 3 CPTA; a amplitude da tutela cautelar (art 112 e ss. CPTA); o princípio do livre cúmulo de todos os pedidos no mesmo processo (art 4 CPTA); os processos urgentes, em especial a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias (arts 109 a 111 CPTA); os mecanismos de resolução simplificada de processos em massa (art 48 CPTA); e o duplo grau de jurisdição (art 142 CPTA).

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BIBLIOGRAFIA

- JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 9ª ed., Coimbra, 2007.

Especialidades do regime dos recursos nos processos administrativos



Segundo o artigo 140.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), os recursos ordinários das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo Código de Processo Civil (CPC), com as necessárias adaptações, e seguem a tramitação do recurso de apelação ou o de revista, sem prejuízo das especialidades decorrentes da legislação sobre contencioso administrativo. Analisemos, então algumas dessas especialidades:
           
No que toca à legitimidade esta surge regulada no artigo 141.º CPTA, determinando que tem legitimidade para recorrer de uma decisão “ quem nela tenha ficado vencido”, isto é, têm legitimidade as partes principais, incluindo os contra-interessados intervenientes, mas também quaisquer pessoas directamente prejudicadas, ainda que não sejam partes ou sejam apenas partes acessórias. É o que resulta expressamente do artigo 680.º, n.º 2 CPC, não havendo, no entendimento do Professor Vieira de Andrade, razão para que esta extensão teleológica não seja aplicável ao processo administrativo, uma vez que era esse o regime anterior e não existem indícios genéticos de que tenha havido uma intenção de reforma nesta questão. Um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Ac. de 16/03/2006) considerou que o CPTA, relativamente à lei anterior, condensou na fórmula “vencidos” tanto as partes como os directa e efectivamente prejudicados (os interveniente ocasionais no processo ou os que poderiam ter figurado no processo como contra-interessados). A especialidade no âmbito do processo administrativo surge a respeito dos processos impugnatórios, onde, por um lado, se considera também como vencido o autor que, apesar de ter obtido a anulação peticionada, não viu reconhecida pela sentença anulatória uma causa de invalidade que impeça ou limite a possibilidade de renovação do acto ou da norma anulado Por outro lado, admite-se um recurso parcial da sentença anulatória, se a procedência nessa parte em que se recorre da sentença for suficiente para excluir ou limitar a renovação do acto ou norma, assim poderá recorrer-se apenas da parte da sentença que anulou o acto com fundamento em vícios de conteúdo.
          
Relativamente ao Ministério Público (MP), este tem legitimidade para a interposição de recurso sempre que estiver em causa a defesa da legalidade (artigo 141.º, n.º 1 CPTA). Sendo notificado para intervir no processo através de parecer sobre o mérito dos recursos interpostos pelas partes, com vista à defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos e de interesses públicos especialmente relevantes ou valores comunitários constitucionalmente protegidos (artigo 146.º, n.º 1 CPTA). Contudo, no sentido do Professor Vieira de Andrade, esta intervenção não terá lugar em defesa da mera legalidade processual que só por si não constitui um direito fundamental ou um interesse público especialmente relevante. Estas faculdades de iniciativa e intervenção consultiva nos recursos de sentenças são reconhecidas ao MP em quaisquer acções administrativas, incluindo as comuns em que não lhe cabe intervenção na primeira instância.
            
Quanto aos efeitos da interposição de recursos, na jurisdição administrativa, a decisão recorrida tem o efeito suspensivo em todos os processos, salvo o disposto em lei especial (artigo 143.º, n.º 1 CPTA). Exceptuam-se da regra geral, as decisões respeitantes a providências cautelares que têm efeito meramente devolutivo (artigo 143.º, n.º2 CPTA). Contudo a lei não se fica por aqui e vem ainda admitir, por um lado, que o tribunal atribua efeito meramente devolutivo ao recurso quando haja periculum in mora e quando o interessado o requeira (artigo 143.º, n.º 3 CPTA); por outro, vem obrigar o tribunal a uma ponderação dos interesses das partes quando a atribuição do efeito meramente devolutivo também possa causar danos, podendo este determinar a adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação de garantias de efectivação da eventual responsabilidade por eles (artigo 143.º, n.º 4 CPTA). Por fim o número 5 do artigo 143.º CPTA impõe o dever de recusa por parte do tribunal do efeito meramente devolutivo quando os danos, que resultariam da atribuição do mesmo, se mostrarem superiores àqueles que podem resultar da não atribuição.
            Do ponto de vista prático, cabe referir que o artigo 146.º CPTA vem estabelecer a obrigatoriedade do convite do tribunal ao recorrente para o aperfeiçoamento das alegações de recurso, quando este na alegação de recurso contra sentença proferida em sede de processo impugnatório, se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao acto impugnado, sem formular conclusões quanto aos aspectos que de facto considera incorrectamente julgados.
            
No tocante ao prazo de interposição, estabelece-se agora um prazo de 30 dias para a interposição de quaisquer recursos, devendo o requerimento incluir ou juntar logo as alegações[1] (artigo 144.º, n.º 1 e n.º 2 CPTA). O que se mostra bastante positivo, uma vez que, permite a diminuição do número de recursos, evitando os recursos precipitados e infundamentados.

Cabe por fim referir, a título enunciativo (ainda que a questão em causa exija uma explanação mais prolongada), que nas decisões de recursos ordinários, o tribunal superior, além de declarar a nulidade da sentença recorrida, se esta tiver vícios, pode confirmá-la ou então revogá-la com fundamento em “erro de julgamento”. Sendo que, na óptica do Professor Vieira de Andrade, o CPTA parece afirmar que seja qual for o processo, o tribunal de recurso não se limita a cassar a sentença recorrida, uma vez que, ainda que declare nula a sentença, não deixa de decidir sobre o objecto da causa. Resultando daqui, que os recursos em processo administrativo não são meramente cassatórios, tendo pelo contrário natureza substitutiva.   




Bibliografia:

VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2011.

                   



[1] Antes, interpunha-se primeiro o recurso num prazo muito curto, aguardando-se a sua admissão para apresentar alegações.