domingo, 1 de maio de 2011

A Eficácia Externa do Acto Administrativo


A nossa Lei Fundamental garante aos administrados o direito a impugnar junto dos tribunais quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma – ver artigo 268º nº4 da CRP.
Trata-se de uma garantia impositiva, mas não limitativa. Isto é, a norma constitucional impõe ao legislador ordinário que respeite a impugnabilidade contenciosa dos actos lesivos, mas dela não decorre que apenas tais actos sejam impugnáveis junto dos tribunais. 
Com a consagração desta garantia impositiva, baseada na lesividade, visou o legislador constitucional, sobretudo, repor no seu devido lugar a questão da impugnabilidade contenciosa do acto administrativo: afinal, o que tinha estado em causa na origem do recurso contencioso, era assegurar a todo o lesado por um acto administrativo uma via contenciosa de defesa dos seus direitos e interesses legítimos. E, ao fazê-lo, veio também o legislador constitucional dissipar dúvidas [suscitadas na doutrina e na jurisprudência] decorrentes da concreta aplicação do critério da impugnabilidade contenciosa baseado na teoria da tripla definitividade [material, horizontal e vertical], que, elaborada pela doutrina [sobretudo Freitas do Amaral], tinha obtido acolhimento no artigo 25º da LPTA que só permitia recurso dos actos definitivos e executórios.
Recolocando-se na senda do legislador constitucional, o CPTA veio consagrar, como princípio geral, que ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos – ver artigo 51º nº 1 do CPTA.
Este princípio geral definiu, assim, o acto administrativo impugnável como sendo o dotado de eficácia externa, remetendo a lesividade [subjectiva] para mero critério [talvez o mais importante] de aferição dessa impugnabilidade. Destarte, cabendo no conceito legal de acto impugnável todos os actos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos, resulta respeitada a garantia constitucional impositiva, que acaba, todavia, por ser alargada pelo legislador ordinário a todos aqueles actos que, mesmo não sendo lesivos de direitos subjectivos, são dotados de eficácia externa.
Com este conceito, não é apenas o critério da definitividade e executoriedade [artigo 25º da LPTA] que é ultrapassado enquanto definidor da impugnabilidade contenciosa, mas também o é o próprio critério da lesividade, seja ela subjectiva ou objectiva – a eficácia externa tanto abarca a lesividade subjectiva [lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados] como a lesividade objectiva [lesão da legalidade objectiva] que pode ser impugnada no exercício de acção pública [artigo 55º nº 1 alíneas b) e e) do CPTA] ou de acção popular [artigo 55º nº 2 do CPTA].
Além disso, a própria eficácia externa, enquanto definidora de impugnabilidade contenciosa, não tem de ser actual, podendo ser uma eficácia externa potencial desde que seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos. De facto, esta interpretação extensiva do nº 1 do artigo 51º do CPTA [actos administrativos com eficácia externa] não só é permitida, cremos, pela letra da lei, como acaba sendo imposta pela sua conjugação com o disposto no artigo 54º nº 1 alínea b) do mesmo código – reza esta norma que um acto administrativo pode ser impugnado ainda que não tenha começado a produzir efeitos jurídicos, quando: […] b) Seja seguro ou muito provável que o acto irá produzir efeitos […].


Acordão do Tribunal Central Admnistrativo Norte
Ana Filipa Rebelo Subturma 9

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