terça-feira, 24 de maio de 2011

Especialidades do regime dos recursos nos processos administrativos



Segundo o artigo 140.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), os recursos ordinários das decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo Código de Processo Civil (CPC), com as necessárias adaptações, e seguem a tramitação do recurso de apelação ou o de revista, sem prejuízo das especialidades decorrentes da legislação sobre contencioso administrativo. Analisemos, então algumas dessas especialidades:
           
No que toca à legitimidade esta surge regulada no artigo 141.º CPTA, determinando que tem legitimidade para recorrer de uma decisão “ quem nela tenha ficado vencido”, isto é, têm legitimidade as partes principais, incluindo os contra-interessados intervenientes, mas também quaisquer pessoas directamente prejudicadas, ainda que não sejam partes ou sejam apenas partes acessórias. É o que resulta expressamente do artigo 680.º, n.º 2 CPC, não havendo, no entendimento do Professor Vieira de Andrade, razão para que esta extensão teleológica não seja aplicável ao processo administrativo, uma vez que era esse o regime anterior e não existem indícios genéticos de que tenha havido uma intenção de reforma nesta questão. Um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Ac. de 16/03/2006) considerou que o CPTA, relativamente à lei anterior, condensou na fórmula “vencidos” tanto as partes como os directa e efectivamente prejudicados (os interveniente ocasionais no processo ou os que poderiam ter figurado no processo como contra-interessados). A especialidade no âmbito do processo administrativo surge a respeito dos processos impugnatórios, onde, por um lado, se considera também como vencido o autor que, apesar de ter obtido a anulação peticionada, não viu reconhecida pela sentença anulatória uma causa de invalidade que impeça ou limite a possibilidade de renovação do acto ou da norma anulado Por outro lado, admite-se um recurso parcial da sentença anulatória, se a procedência nessa parte em que se recorre da sentença for suficiente para excluir ou limitar a renovação do acto ou norma, assim poderá recorrer-se apenas da parte da sentença que anulou o acto com fundamento em vícios de conteúdo.
          
Relativamente ao Ministério Público (MP), este tem legitimidade para a interposição de recurso sempre que estiver em causa a defesa da legalidade (artigo 141.º, n.º 1 CPTA). Sendo notificado para intervir no processo através de parecer sobre o mérito dos recursos interpostos pelas partes, com vista à defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos e de interesses públicos especialmente relevantes ou valores comunitários constitucionalmente protegidos (artigo 146.º, n.º 1 CPTA). Contudo, no sentido do Professor Vieira de Andrade, esta intervenção não terá lugar em defesa da mera legalidade processual que só por si não constitui um direito fundamental ou um interesse público especialmente relevante. Estas faculdades de iniciativa e intervenção consultiva nos recursos de sentenças são reconhecidas ao MP em quaisquer acções administrativas, incluindo as comuns em que não lhe cabe intervenção na primeira instância.
            
Quanto aos efeitos da interposição de recursos, na jurisdição administrativa, a decisão recorrida tem o efeito suspensivo em todos os processos, salvo o disposto em lei especial (artigo 143.º, n.º 1 CPTA). Exceptuam-se da regra geral, as decisões respeitantes a providências cautelares que têm efeito meramente devolutivo (artigo 143.º, n.º2 CPTA). Contudo a lei não se fica por aqui e vem ainda admitir, por um lado, que o tribunal atribua efeito meramente devolutivo ao recurso quando haja periculum in mora e quando o interessado o requeira (artigo 143.º, n.º 3 CPTA); por outro, vem obrigar o tribunal a uma ponderação dos interesses das partes quando a atribuição do efeito meramente devolutivo também possa causar danos, podendo este determinar a adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação de garantias de efectivação da eventual responsabilidade por eles (artigo 143.º, n.º 4 CPTA). Por fim o número 5 do artigo 143.º CPTA impõe o dever de recusa por parte do tribunal do efeito meramente devolutivo quando os danos, que resultariam da atribuição do mesmo, se mostrarem superiores àqueles que podem resultar da não atribuição.
            Do ponto de vista prático, cabe referir que o artigo 146.º CPTA vem estabelecer a obrigatoriedade do convite do tribunal ao recorrente para o aperfeiçoamento das alegações de recurso, quando este na alegação de recurso contra sentença proferida em sede de processo impugnatório, se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao acto impugnado, sem formular conclusões quanto aos aspectos que de facto considera incorrectamente julgados.
            
No tocante ao prazo de interposição, estabelece-se agora um prazo de 30 dias para a interposição de quaisquer recursos, devendo o requerimento incluir ou juntar logo as alegações[1] (artigo 144.º, n.º 1 e n.º 2 CPTA). O que se mostra bastante positivo, uma vez que, permite a diminuição do número de recursos, evitando os recursos precipitados e infundamentados.

Cabe por fim referir, a título enunciativo (ainda que a questão em causa exija uma explanação mais prolongada), que nas decisões de recursos ordinários, o tribunal superior, além de declarar a nulidade da sentença recorrida, se esta tiver vícios, pode confirmá-la ou então revogá-la com fundamento em “erro de julgamento”. Sendo que, na óptica do Professor Vieira de Andrade, o CPTA parece afirmar que seja qual for o processo, o tribunal de recurso não se limita a cassar a sentença recorrida, uma vez que, ainda que declare nula a sentença, não deixa de decidir sobre o objecto da causa. Resultando daqui, que os recursos em processo administrativo não são meramente cassatórios, tendo pelo contrário natureza substitutiva.   




Bibliografia:

VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2011.

                   



[1] Antes, interpunha-se primeiro o recurso num prazo muito curto, aguardando-se a sua admissão para apresentar alegações.  

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