sexta-feira, 20 de maio de 2011

Impugnação de Actos Preparatórios

O art. 51.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) permite a impugnação contenciosa dos actos preparatórios ou de trâmite “com eficácia externa”, isto é, consente a impugnação de actos que não são materialmente definitivos, abandonando a definitividade como requisito de impugnabilidade do acto administrativo. A eficácia externa é, actualmente, o atributo do acto que o torna impugnável, sendo externos, nomeadamente, os actos administrativos que produzem efeitos jurídicos no âmbito das relações entre a Administração e os particulares.

Também o art. 51.º, nº 3 prevê a possibilidade de impugnar actos procedimentais ao referir “que não ter impugnado qualquer acto procedimental não impede o interessado de impugnar o acto final com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento”. Estes actos podem ser impugnados por quem tenha interesse na sua remoção da ordem jurídica, visto que estes podem produzir efeitos externos, embora ainda não se esteja perante o acto final mas apenas perante um acto inserido no procedimento administrativo.

Para que a impugnação de actos procedimentais seja possível é necessário que estejam verificados os pressupostos de legitimidade:

1.      A legitimidade para impugnar o acto;

2.      Verificação do interesse em agir.

São partes legítimas os que actuam na defesa de interesses próprios , ou seja, os titulares de um “interesse directo e pessoal” (art. 55, nº 1, alínea a, CPTA); as pessoas colectivas públicas e privadas ( art. 55, nº 1, alínea c, CPTA); sujeitos públicos (art. 55, nº 1, alíneas b) e e), CPTA) e o actor popular que actua para a defesa da legalidade e do interesse público (art. 55, nº 2, CPTA). Quanto à legitimidade passiva é aplicável o disposto no nº2 do artigo 10º, CPTA.


Sujeitos processuais são também todos aqueles que possam a vir ser prejudicados com o provimento do pedido de impugnação do acto. São parte, tal como a entidade autora da prática do acto, na medida em que o interesse coincide, por outras palavras, há uma imposição legal do litisconsórcio passivo, sempre que existam contra-interessados- Legitimidade de contra- interessados (art. 57º, CPTA). Quanto à legitimidade passiva, a lei determina que sejam demandados não só a entidade competente responsável, mas também os contra-interessados, nos termos do nº 2 do artigo 68º conjugado com o nº2 do artigo 10º, ambos do CPTA.

No entanto, deve excluir-se esta possibilidade do interessado impugnar actos procedimentais com eficácia externa se esse acto se revelar como um acto meramente preparatório, na esfera jurídica do interessado nada se constitui. Ilustrativo desta conclusão é o Acórdão do STA de 29 de Junho de 2006, Processo 044141. Estava em causa a possibilidade de um Juiz poder propor de imediato uma acção de anulação de uma deliberação do CTAF sem esperar pelo fim do procedimento. O CTAF instaurou um processo disciplinar, contra um Juiz, do qual poderia resultar para este a possível suspensão do exercício de funções e o congelamento da promoção da carreira. O STA decidiu que o juiz não poderia impugnar porque o acto preparatório não era lesivo dos direitos e interesses do juiz.
Decidindo o STA que estamos perante um  acto preparatório, não directamente lesivo, e como tal, não recorrível contenciosamente, sendo por isso, apenas a decisão final objecto de impugnação e neste caso, podendo ser invocada qualquer ilegalidade reputada aos actos preparatórios do procedimento, com base no princípio da impugnação unitária



O art. 51º. nº 3 salvaguarda a possibilidade de se impugnar o acto final, mesmo se o interessado não tiver impugnado o acto procedimental, com duas excepções:

i) O acto destacável – são actos que inseridos num procedimento produzem efeitos jurídicos externos autonomamente sem necessitarem do acto final, por exemplo, o acto que determina a exclusão do interessado do procedimento: este acto produz imediatamente efeitos externos, definindo de imediato a situação do interessado;

ii) A lei especial – que imponha a tempestividade de actos procedimentais, sob pena de preclusão, ou seja, a existência de uma norma especial que refira que se aquele acto procedimental não for impugnado pelo interessado num determinado período não poderá ser posteriormente impugnado através da impugnação do acto final.

Surge, no entanto, o problema de saber se são impugnáveis as decisões administrativas preliminares (pré-decisões, pareceres vinculativos, pedidos de informação prévia, entre outros), que determinem peremptoriamente a decisão final de um procedimento com efeitos externos, mas que não tenham, elas próprias, capacidade para constituir esses efeitos externos, que só se produziram através dessa decisão final da administração. Tem-se sustentado a impugnação destas decisões, como se fosse uma expressão de uma “defesa antecipada” dos interessados na impugnação (embora o acto só por si não tenha capacidade para produzir o efeito lesivo, apenas indirectamente o produz através da sua efectivação na decisão final) visto que em regra, ou com um elevado grau de probabilidade, irão criar lesões em direitos dos particulares. Este entendimento está assente numa concepção finalista consagradora do princípio da impugnação unitária, que em nada ficou alterado com a revisão constitucional de 1989, ao nº 4 do art. 268º CRP. Nesta revisão constitucional a tónica da impugnação passou a ser da lesividade do acto deixando de ser decisivas as características de definitividade e executoriedade do art. 25º da LPTA.

Não há frustração da garantia de acesso à justiça constante do art. 20º da CRP, pois, a inimpugnabilidade contenciosa de actos preparatórios não são dotados de lesividade autónoma e imediata, não implicando qualquer supressão ou limitação do direito de ver apreciada a questão, art. 53º nº3 CPTA.

Diferentemente, o Professor Vasco Pereira da Silva entende que houve uma extensão da impugnabilidade e, portanto, é possível a apreciação dos actos procedimentais, o que implica uma relevância jurídica autónoma do procedimento e o abandono definitivo da ideia de definitividade horizontal dos actos administrativos como critério de impugnabilidade dando cumprimento ao imperativo constitucional que tornou inconstitucional aquela exigência. Qualquer acto administrativo é susceptível de impugnação contenciosa se lesar os direitos dos particulares, incluindo todos os actos procedimentais, apenas interessa saber se o acto afecta imediatamente os direitos dos particulares não interessando se o acto foi praticado no início, no meio ou no fim do procedimento. O particular perante um acto lesivo dos seus direitos pode escolher entre impugnar desde logo essa actuação, ou esperar pela decisão final do procedimento, sem que o seu direito à protecção judicial seja afectado.



Michael-Dean Fialho

Nº 16789 sub. 9

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