terça-feira, 24 de maio de 2011

Impugnação de Normas

“Globalmente, o sistema de impugnação de normas regulamentares pelos tribunais administrativos assenta claramente no compromisso entre a tutela dos direitos subjectivos dos particulares e a reposição da legalidade violada, compromisso esse que se traduz no predomínio objectivo e subjectivo dos processos dos artigos 73º nº1 e 73º nº2, respectivamente”Pedro Alves

Olhando para os nº1 e 2 do art. 73º do CPTA, vemos consagrados dois meios processuais distintos: a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, e a declaração de ilegalidade referente ao caso concreto.
O primeiro está consagrado no nº1, nos termos do qual o tribunal vai apreciar a validade das normas em questão em abstracto, tendo como base a lei. Nesse artigo, os particulares têm legitimidade para impugnarem normas imediatamente produtoras de efeitos lesivos na sua esfera jurídica, assegurando-se assim a garantia dos direitos subjectivos dos interessados. Ou seja, a legitimidade activa depende da presença de uma lesão ou previsibilidade de lesão na esfera jurídica do autor.
Quanto ao segundo, está previsto no art. 73º nº2: não existem aqui as restrições quanto à legitimidade activa presentes no nº1 do mesmo artigo, funcionando antes como critério o art. 9º, pois o principal interesse aqui em causa é o de assegurar a garantia dos direitos subjectivos dos interessados. É pois uma forma de assegurar aos particulares a defesa contra normas ilegais, quando não tenham legitimidade para o fazer com força obrigatória geral.
A primeira figura consagra uma legitimidade restrita, que traduz uma concepção objectivista: mesmo que a legitimidade se defina em função da lesão de direitos subjectivos dos particulares, importa não esquecer que o outro requisito legal é o da existência de três casos anteriores de desaplicação. Portanto, mesmo tendo em conta a lesão de direitos subjectivos, trata-se de um controlo objectivo baseado em dados subjectivistas.  Na actual redacção do art. 73º1, refira-se, desapareceu mesmo a impugnabilidade generosa dos regulamentos locais, ao mesmo tempo que a exigência das três desaplicações anteriores se manteve.
Quanto à declaração sem força obrigatória geral, a sua natureza é subjectiva: defende-se a esfera jurídica do autor da acção, pois a decisão vai produzir efeitos directamente para o seu caso. Ou seja, o que se produz é um juízo abstracto sobre a validade intrínseca da norma, aplicado apenas nos seus efeitos jurídicos à situação concreta do particular em causa.
No novo contencioso administrativo, pretendia-se reformular o sistema de impugnação de normas administrativas, de modo a que em vez de existirem vários mecanismos de impugnação, todos fossem substituídos por um mecanismo único. Na LPTA existiam, nos arts. 63º a 68º, dois meios processuais distintos que poderiam levar à impugnação de normas. No novo CPTA, pretendia-se que existisse um único mecanismo a tutelar esta situação, nos arts. 72º e seguintes. No entanto, ao olharmos para os dois primeiros números do art. 73º, como já foi analisado, parece que essa unificação não se atingiu com eficácia, pois mesmo após a reforma existem dois mecanismos diferentes no que toca à impugnação de normas. Como afirma o professor Mário Aroso de Almeida, o CPTA terminou com a dualidade de meios processuais, substituindo-a por uma dualidade de regimes quanto ao âmbito de efeitos das pronúncias judiciais a produzir a este respeito.
Pode-se igualmente discutir se esta dualidade de regimes objectivos e subjectivos não põe em causa o principio da tutela jurisdicional efectiva, que está aliás consagrado no CPTA (art. 2º), e nos termos do qual todo o direito deve poder corresponder a uma acção, encontrando na lei o meio adequado à sua actuação perante os tribunais administrativos. Ora, através da visão presente no espírito do art. 73º, nem todas as pessoas podem recorrer à tutela jurisdicional, nos termos do nº1, o qual foge aos critérios de legitimidade activa fixados no art. 9º. Restringe-se assim objectivamente a legitimidade para utilizar este mecanismo; no entanto, aos particulares que não preencham estes requisitos, é ainda possibilitado utilizarem o mecanismo do nº2, tutelando assim a sua esfera jurídica pessoal.

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