sexta-feira, 20 de maio de 2011

Os processos urgentes no Contencioso Administrativo


Os processos urgentes estão previstos nos artigos 97.º e seguintes do CPTA, e neles encontramos duas grandes categorias: as impugnações urgentes (que incluem o contencioso eleitoral e o contencioso pré-contratual) e as intimações (englobando a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões e a intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias).
Segundo o Professor José Vieira de Andrade esta figura dos processos urgentes corresponde à ideia de “processos urgentes principais” – que se distinguem, quer dos processos principais não urgentes, quer dos processos urgentes não principais (os processos cautelares).
Os processos urgentes principais, por se caracterizarem pela sua celeridade ou prioridade devem ou têm de obter sobre determinadas questões quanto ao respectivo mérito, uma resolução definitiva pela via judicial num tempo curto.
Por isso, a lei configura, logo em abstracto, como processos urgentes determinados processos principais, isto é, processos que visam a pronúncia de sentenças de mérito, onde a cognição seja tendencialmente plena, mas com uma tramitação acelerada ou simplificada, tendo em consideração a natureza dos direitos ou dos bens jurídicos protegidos ou outras circunstâncias próprias das situações ou até das pessoas envolvidas.


Tomando em atenção primeiramente a categoria das impugnações urgentes, temos o contencioso eleitoral nos termos dos arts 97 e seguintes e o contencioso pré-contratual nos arts 100 e seguintes CPTA.
No âmbito do contencioso eleitoral, previsto nos arts 97 a 99 do CPTA,  a lei processual autonomiza este meio impugnatório como meio principal para a resolução acelerada e simplificada das questões suscitadas por actos eleitorais, em função da sua natureza urgente.
Quanto ao objecto das eleições a que se referem estas impugnações são aquelas através das quais se designam os titulares de órgãos administrativos electivos de pessoas colectivas públicas, sobretudo no âmbito das administrações autónomas, mas incluindo também as eleições para órgãos não burocráticos da administração directa ou indirecta.
Os litígios a resolver por este meio não são apenas os relativos ao acto eleitoral propriamente dito, englobam ainda as questões do respectivo procedimento.
A lei, todavia, parece limitar a sindicalidade dos actos pré-eleitorais, admitindo apenas a impugnação autónoma daqueles que impliquem exclusão ou omissão de eleitores nos cadernos eleitorais ou de elegíveis nas listas eleitorais (artigo 98-3)
Relativamente à legitimidade, a iniciativa do processo cabe em exclusivo aos eleitores e elegíveis, incluindo, nos casos de omissão nos cadernos ou nas listas, as pessoas cuja inscrição foi omitida (artigo 98- 1).
No que diz respeito ao prazo, na falta de disposição especial, será de sete dias, a contar da possibilidade do conhecimento ou omissão (artigo 98- 2).
No que toca à urgência é de referir que este processo segue a tramitação da acção administrativa especial ex vi art 99-1, com certas especificidades contudo, designadamente as decorrentes do seu carácter urgente (art 99 números 2 a 5).
Ainda uma nota, quanto à plena jurisdição mencionada no artigo 97-2, esta disposição pretende significar que o processo não se dirige meramente à anulação ou declaração de nulidade dos actos impugnados e engloba a possibilidade de condenação imediata das autoridades administrativas, seja para assegurar a inscrição nos cadernos ou a aceitação das listas de candidatos, seja para obrigar à reforma do procedimento eleitoral.


O contencioso pré-contratual, vem regulado nos arts 100 a 103 CPTA, e conforme o art 100-1 a impugnação de actos administrativos relativos à formação de contratos pode ser de quatro tipos de contratos: empreitada, concessão de obras públicas, prestação de serviços e fornecimento de bens.
Estão em causa neste procedimento duas ordens de interesses, públicos e privados: por um lado, promover neste domínio a transparência e a concorrência, através de uma protecção adequada e em tempo útil aos interesses dos candidatos à celebração de contratos com as entidades públicas; por outro lado, e sobretudo, garantir o início rápido da execução dos contratos administrativos e a respectiva estabilidade depois de celebrados, dando protecção adequada aos interesses públicos substanciais em causa e aos interesses dos contratantes.
Em matéria de objecto, este meio deve ser utilizado quando esteja em causa a ilegalidade de quaisquer decisões administrativas relativas à formação dos referidos contratos.
Em relação ao prazo para a apresentação do pedido é de um mês a contar da notificação dos interessados ou, não havendo lugar a notificação, do conhecimento do acto (art. 101).
A propositura da acção não tem efeito suspensivo sobre o procedimento, podendo o interessado interpor, se for caso disso, a providência cautelar especial prevista no art 132.
Se houver lugar a impugnações administrativas, como estas serão, em regra, facultativas, o prazo suspende-se e só volta a contar-se a partir da decisão administrativa sobre essa impugnação ou do termo do prazo legal respectivo, sem prejuízo de o interessado poder entretanto propor acção principal ou solicitar providências cautelares, nos termos do artigo 59 (números 4 e 5) – se a impugnação for necessária, suspende a eficácia do acto e, portanto, o prazo só começa a contar depois de proferida a decisão respectiva.
Quanto aos restantes pressupostos, aplicam-se, por força do artigo 100-1, as regras relativas à impugnação de actos, com as adaptações que se revelarem necessárias.
Em conclusão, a tramitação deste processo é única e segue a forma da acção administrativa especial, com algumas alterações, entre as quais se destaca a possibilidade da concentração numa audiência pública sobre a matéria de facto e de direito, com alegações orais e sentença imediata (arts 102 e 103).
A cognição do tribunal é plena e, em caso de procedência, a sentença será, em regra, anulatória ou de declaração da invalidade do acto ou documento contratual.
De referir ainda que a lei estende expressamente a este processo urgente, embora com algumas diferenças de relevo, a possibilidade, admitida em geral no art. 45.º, de, em caso de impossibilidade absoluta dos interesses do autor, o juiz não proferir a sentença requeria e convidar as partes a acordarem no montante da indemnização devida.



                Quanto à  categoria das intimações urgentes, encontramos no CPTA dois tipos: a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (arts 104 a 108) e a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias (arts 109 a 111).


A intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, prevista nos arts 104 a 108 CPTA, é configurada como uma acção principal e um processo urgente, tornando-se o meio adequado para obter a satisfação de todas as pretensões informativas, quer esteja em causa o direito à informação procedimental ou o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos (art 104), incluindo o acesso aos ficheiros públicos de dados pessoais.
No que diz respeito à legitimidade, a intimação pode ser pedida pelos titulares dos direitos de informação ou, na hipótese de utilização para efeitos de impugnação judicial, por todos os que tenham legitimidade para usar os meios impugnatórios, incluindo os autores populares, bem como o Ministério Público, para o exercício da acção pública (artigo 104- 2).
Quanto à legitimidade passiva parece caber, nos termos gerais, à pessoa colectiva ou ao ministério a que pertence o órgão em falta (art 10-2). No entanto, segundo a referência do artigo 107 relativamente à autoridade (e não à entidade) requerida – supõe-se que não exista aqui um regime especial de legitimidade, pelo que o requerente deverá, sempre que possível, identificar o órgão responsável, para que o tribunal possa directamente citá-lo e dirigir-lhe a intimação, sem dependência da organização interna da pessoa colectiva ou do ministério.
A utilização deste meio pressupõe o incumprimento pela Administração do dever de informar ou de notificar, valendo, por isso, a exigência do pedido anterior do interessado como pressuposto processual.
O prazo é de vinte dias, a partir da verificação da não satisfação do pedido, a partir da omissão, do indeferimento expresso ou do deferimento parcial (art 105).
A tramitação é simples, com resposta da autoridade no prazo de dez dias e, em regra, decisão imediata do juiz, dado que na maior parte dos casos não serão necessárias outras diligências (art 107).
Cumpria ainda referir o disposto nos arts 61 a 65 do CPA quanto ao direito à informação.


           Por fim, temos a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, que estando regulada nos arts 109 a 111 CPTA, é favorecida pelo artigo 20-5 da Constituição, reconhecendo assim a importância de uma protecção acrescida dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, pelo que, a utilização desta acção deve limitar-se às situações em que esteja em causa directa e imediatamente o exercício dos mesmos.
Pode utilizar-se este meio quando a emissão célere de uma decisão de mérito do processo que imponha à Administração uma conduta positiva ou negativa seja indispensável para assegurar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade ou garantia (art 109).
Exige-se, desde logo, a urgência da decisão para evitar a inutilização do direito, sem a qual deverá haver lugar a uma acção administrativa normal, seja comum ou especial, sublinhe-se, todavia, o carácter relativo ou gradativo da urgência.
Pressupõe-se que o pedido se refira à imposição de uma conduta positiva ou negativa à Administração, e a lei exige ainda que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar.
A legitimidade para esta intimação pertence naturalmente aos titulares dos direitos, liberdades e garantias.
O conteúdo do pedido será a condenação na adopção de uma conduta positiva ou negativa na parte da Administração, que pode consistir mesmo na prática de um acto administrativo (art. 109 números 1 e 3)
O pedido de intimação pode ainda ser dirigido contra concessionários ou quaisquer particulares, mesmo que não disponham de poderes públicos – embora, obviamente, se deva estar perante uma relação jurídica administrativa.
Nestes processos não há lugar ao pagamento de custas.
Quanto à tramitação é extremamente simples e rápida, designadamente nas situações de especial urgência.
Na realidade, a lei prevê vários andamentos possíveis para o processo (artigo 110 números 1, 2 e 3; 111), sendo que o juiz pode optar por uma tramitação acelerada ou simplificada realizando uma audiência oral.
Quando a pretensão se dirija à prática de um acto administrativo estritamente vinculado, a lei admite, excepcionalmente, a possibilidade de sentenças substitutivas da pronúncia da Administração, designadamente quando se trate da execução de acto administrativo já praticado (artigo 109-3). Nestas situações, já não estamos perante simples intimações, mas perante intervenções judiciais.
A sentença, quando não seja substitutiva, determina o comportamento concreto, o prazo e, se for caso disso, o próprio órgão administrativo responsável pelo cumprimento, designadamente quando implique a prática de um acto administrativo.
É ainda de salientar que se aplicam a estas intimações as regras gerais de execução de sentenças condenatórias, incluindo as relativas à responsabilidade civil, disciplinar e criminal.
A invocação da grave lesão para o interesse público como causa legítima de inexecução da sentença condenatória, não parece admissível, nestes, pois pressupões uma prevalência do direito fundamental na ponderação concreta e imediata dos valores em presença.
A lei prevê a possibilidade de fixação pelo juiz de sanções pecuniárias compulsórias, imediatamente na sentença condenatória ou em despacho posterior.
Relativamente, às decisões de improcedência de pedidos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias são sempre recorríveis, seja qual for o valor da causa (art 142-3 a).
Por sua vez, o recurso das sentenças que tenham proferido a intimação, quando seja admissível, tem sempre, por determinação da lei, efeito meramente devolutivo, independentemente da ponderação dos danos que esse efeito possa causar – o objectivo é o de assegurar uma protecção efectiva reforçada dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos já reconhecidos na primeira instância, mesmo que estejam em causa interesses públicos relevantes.

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BIBLIOGRAFIA

JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 9ª ed., Coimbra, 2007.

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