terça-feira, 24 de maio de 2011

Providência Cautelar

“Providência cautelar ‘retira’ cargo a directora de escolas em Melgaço”
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga deu provimento à providência cautelar apresentada pelo ex-presidente do Conselho Executivo (CE) do Agrupamento de Escolas de Melgaço, suspendendo, assim, a eficácia de todos os actos que conduziram à escolha da nova directora ao abrigo do actual modelo de gestão.
É o primeiro caso conhecido em que uma decisão deste género tem efeito depois da tomada de posse do director ou directora, que, neste caso, está desde Junho em funções, o que levanta a possibilidade de vir a ser reclamada a invalidade de todos os actos entretanto por ela praticados.

            Na generalidade das escolas, a aplicação do novo modelo de gestão não provocou problemas - porque os mandatos dos CE já tinham terminado ou porque os elementos daqueles órgãos abdicaram deles.
Noutras, porém, os membros eleitos não aceitaram a interpretação do Ministério da Educação (ME), segundo a qual até 31 de Maio de 2009 deviam estar escolhidos os directores em todos os estabelecimentos, independentemente de, à data, os CE eleitos terem terminado, ou não, os respectivos mandatos. Foi o que sucedeu em Melgaço.

             Contactado pelo PÚBLICO, Nuno Esteves, da sociedade AFAdvogados, confirmou o teor da sentença do TAF de Braga, que, disse, “considerou ilegais os actos que conduziram à eleição da directora”, dando razão ao ex-presidente do CE, que representa.

              À semelhança do que aconteceu, já, noutros três casos semelhantes, envolvendo outras tantas escolas e tribunais, a sentença baseia-se na convicção de que o novo regime de gestão escolar estabelece que os CE deviam completar os mandatos (de três anos) para que foram eleitos ao abrigo da legislação entretanto revogada.

              O caso de Melgaço tem, no entanto, uma particularidade: ao contrário do que acontecia nos agrupamentos de escolas de Coimbra, Leiria e Régua (em que os directores não tinham tomado posse, e por isso, os CE se mantiveram e continuam em funções), o agrupamento de escolas de Melgaço já é dirigido, desde Junho, por uma directora, escolhida ao abrigo da nova legislação.

              Esta é uma situação nova e foi para ela que alertou o advogado Garcia Pereira num parecer sobre a matéria, produzido em Abril. Na altura, considerou que “a imposição da interrupção dos mandatos (…) em curso e a imediata eleição do director” era “susceptível de produzir consequências tão avassaladoras quanto imprevisíveis”. Como exemplo apontou a possibilidade de aquela situação levar à “arguição de invalidade de todos os actos praticados” pelos directores.

               Em Melgaço a questão não se porá, contudo, de imediato. Contactado pelo PÚBLICO, o assessor de imprensa do Ministério da Educação, Rui Nunes, afirmou que será apresentado recurso da sentença, pelo que a actual directora se manterá em funções até nova decisão dos tribunais.

                 Dos cinco casos conhecidos em que ex-presidentes de CE recorreram a providências cautelares para manterem ou recuperarem o lugar, só num o Ministério da Educação lhe viu ser reconhecida a razão. Aconteceu no caso do agrupamento de Santo Onofre, nas Caldas da Rainha, cujo CE foi destituído pela Direcção Regional de Educação e substituído por uma Comissão Administrativa Provisória. Ali, foi a ex-presidente do CE do agrupamento que recorreu da sentença.
                                                                                                          In Jornal O Público

Para haver concessão da providência cautelar, antes tem de haver uma decisão acerca desta possibilidade. Como tal, existem diversos requisitos a ser cumpridos, nomeadamente: o requisito da perigosidade (“periculum in mora”); o requisito da juridicidade material como padrão decisório e o requisito da proporcionalidade na decisão da concessão.
Um dos requisitos mais importantes que tem de se verificar é então o “periculum in mora”. Uma vez que a providência cautelar visa garantir a utilidade da sentença, esta pressupõe que exista um perigo de inutilidade, seja ela total ou parcial, que resulta do decurso do tempo e, especialmente no direito administrativo, da adopção ou abstenção de uma pronúncia administrativa.
Face ao disposto no artigo 120º do CPTA, este estabelece que “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.
Atendendo ao disposto, o juiz deve então fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há ou não razões para recear que essa sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica.  
O fundado receio há-de corresponder a uma prova, por regra a cargo do requerente, de que essas consequências serão suficientemente prováveis para que se possa considerar “compreensível ou justificada” a cautela que esta a ser solicitada.
O segundo requisito que é necessário verificar-se corresponde à juridicidade material como padrão decisório. Este, corresponde a um dos aspectos inovadores da reforma. Eliminou-se um dos corolários mais perversos do dogma autoritário da “presunção de legalidade do acto administrativo”, passando a reconhecer-se e a conferir relevo ao “fumus boni iuris”. Agora, o juiz tem o poder e o dever de avaliar a probabilidade da procedência da acção principal, isto é, em regra, de avaliar a existência do direito invocado pelo particular ou da ilegalidade que ele diz existir. O papel dado a este requisito é decisivo, desde logo porque é o único factor relevante para a decisão de adopção da providência cautelar em caso de evidência da procedência da pretensão principal, designadamente por manifesta ilegalidade do acto.
Através do “fumus boni iuris” a lei permite que o juiz possa decretar a providência adequada, mesmo sem a prova do receio de facto consumado ou da difícil reparação do dano e independentemente dos prejuízos que a concessão possa virtualmente causar ao interesse público e aos contra-interessados.  
Por fim, a proporcionalidade na decisão da concessão é outro dos requisitos relevantes para a decretação da providência cautelar. Esta é uma característica nuclear do sistema de protecção cautelar, pois implica a ponderação de todos os interesses em jogo, de forma a fazer depender a própria decisão sobre a concessão ou recusa da providência cautelar dos interesses preponderantes no caso concreto, sempre que não seja evidente a procedência ou improcedência da pretensão formulada.
Está aqui em causa a possibilidade de, mesmo apesar de se verificarem os dois requisitos anteriores fundamentais, o juiz dever recusar a concessão da providência cautelar, quando o prejuízo resultante para o requerido se mostre superior ao prejuízo que se pretende evitar com a providência. O que acontece aqui é que, através da reforma, foi introduzido então este princípio, ou seja, uma ideia de equilíbrio na decisão sobre a concessão ou a recusa da providência cautelar que antes não existia.
Através deste princípio, irá haver avaliação dos resultados de cada uma das alternativas, através de um juízo de prognose, e não se irá conceder a providência, mesmo que se verifique os requisitos, quando os prejuízos da concessão sejam superiores aos prejuízos da não concessão.
É ainda importante salientar que a concessão ou não concessão da providência está também associada à circunstancia de esta poder ser substituída pelo juiz ou de este poder decretar “contra-providências” ou “contra-cautelas”, como, por exemplo, a imposição de garantias a prestar pelo requerente.
Com a participação directa dos contra-interessados, revelam-se aqui as ideias de proporcionalidade e de ponderação, consistindo este aspecto numa garantia processual. Esta participação dos contra-interessados é garantida pela sua indicação obrigatória no requerimento inicial e pela sua citação para eventual oposição, apesar do risco de demora inerente à diligência.

Em conclusão, a providência cautelar referida na notícia supra, teria de respeitar todos os requisitos referidos para, posteriormente, a acção proceder.

Fonte:

"A justiça administrativa" - José Carlos Vieira de Andrade
Jornal "O Público"

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