terça-feira, 17 de maio de 2011

PROVIDÊNCIAS CAUTELARES - CASO PRÁTICO II


VASCO PEREIRA DA SILVA, “O Processo Administrativo em acção - Caderno de trabalhos práticos de contencioso administrativo”, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2009


O caso em apreço versa sobre os processos cautelares regulados no artigo 112º e seguintes do Código de Processo dos Tribunais Administrativos – CPTA. Os processos cautelares constituem processos urgentes nos termos do artigo 36º, nº1 do CPTA, em que se reconhece existir a necessidade de obter, com urgência, uma decisão de fundo sobre o mérito da causa. Embora não sejam processos principais urgentes regulados no artigo 97º e seguintes do CPTA, podem coexistir com eles.
A tutela jurisdicional efectiva perante a Administração Pública inclui a adopção de medidas cautelares adequadas, segundo o disposto no artigo 268º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa – CRP, como tal, a possibilidade de adopção de providências cautelares é essencial à realização da justiça. É necessário garantir que os tribunais possam adoptar, em momento anterior àquele em que o processo venha a ser decidido, providências cautelares, destinadas a dar uma regulação provisória aos interesses envolvidos no litigio. Tendo em consideração que, por mais eficaz que seja um processo, as suas necessidades próprias não se compadecem com uma realização instantânea da justiça.
Com o intuito de assegurar a plenitude da tutela cautelar, o CPTA consagra uma cláusula aberta que permite a adopção de todo o tipo de providências cautelares, que inclui as especificadas no Código de Processo Civil e aquelas que a título exemplificativo estão enunciadas no nº2 do art. 12º, mas ainda outras que se revelem adequadas no caso concreto.
A regulação do litigio deve ser adequada para assegurar a justa composição do mesmo e evitar o risco de que quando o processo principal cheque ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar uma resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litigio, seja porque a evolução das circunstancias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja, pelo menos, porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
É possível apontar alguns traços característicos das providências cautelares, designadamente, a instrumentalidade e acessoriedade, na medida em que existem em função de processos ditos principais de forma a assegurar a utilidade das sentenças, nos termos do art. 113º CPTA. Constitui outro traço característico a provisoriedade, isto é, as regulação da situação pelas providências vigora apenas durante a pendência do processo, até ao momento em que a sentença virá dizer em que termos fica definida a matéria controvertida. Mas também a sumariedade, na medida em que o tribunal não procede a juízos definitivos mas, a apreciações baseadas em juízos sumários sobre os factos a apreciar.
Mais, é possível agrupar a providências cautelares em dois grandes grupos, de acordo com o previsto no art. 12º, nº1 do CPTA, em providências conservatórias e antecipatórias, consoante visem dar resposta a interesses dirigidos à conservação de situações jurídicas já existentes no momento em que se constituiu o litigio ou visem dar resposta a interesses cuja satisfação dependa, no processo principal, da emissão de sentenças que determinem uma alteração da situação preexistente.
Na situação em análise, Bernardo, comerciante, intentou uma acção administrativa especial (processo principal) para anulação de acto administrativo e, simultaneamente, para a condenação da Administração à prática de acto administrativo legalmente devido e ainda o pagamento de uma indemnização por danos causados, nos termos dos artigos 5º, 37º,nº2 e art.46º, nº2, alíneas a) e b) do CPTA. Pretendendo com o referido processo, introduzir no consumo, mensalmente, produtos de tabaco em quantidades superiores á média mensal do ano anterior e superiores aos limites constantes do artigo 86º, nº 6 do Código dos Impostos Especiais de Consumo.
 Não obstante, Bernardo dirigiu ainda ao Tribunal um pedido com a finalidade de obter uma autorização provisória para a introdução no consumo de duas marcas de tabaco por ele comercializadas, em quantidades superiores aos limites estabelecidos. Tal pedido traduz-se numa providência cautelar nos termos do artigo 112º, nº2, alínea d) do CPTA, sendo que visa obter uma autorização provisória para prosseguir uma actividade, consistindo numa providência antecipatória nos termos explicitados supra. Pretensão esta que terá que ser analisada para efeitos de a considerar ou não como procedente, segundo os critérios de decisão constantes do artigo 120º do CPTA.
O artigo 120º do CPTA estabelece critérios de decisão relativos à concessão de providências cautelares. As alíneas b) e c) do nº1 estabelecem critérios gerais de que depende a concessão de tais providências, consoante se trate de providências conservatórias ou antecipatórias. Pelo contrario, a alínea a) do nº1, visa permitir que, em situações excepcionais, as providências sejam atribuídas sem necessidade de verificação dos requisitos estabelecidos nas outras alíneas, constitui uma norma derrogatória.
Visto que, na situação em causa, nada se diz quanto ao facto de o tribunal considerar evidente a procedência da pretensão formulada pelo requerente no processo principal, por estar em causa acto manifestamente ilegal ou de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada, nos termos do art. 120º, nº1, alínea a) do CPTA, será de afastar a aplicação do mesmo em detrimento da aplicação das regras gerais das alíneas subsequentes.
Portanto, é aplicável a alínea c) do nº1, na medida em que estamos perante uma providência cautelar antecipatória. Assim sendo, a providência cautelar é adoptada se existir um fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litigio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis (periculum in mora). Dos argumentos apresentados pelo requerente parece resultar o fundado receio deste que se venham a produzir prejuízos caso não seja autorizada a providência, não apenas no corrente ano mas também nos anos subsequentes. O segundo requisito consiste no fumus boni iuris, ou seja, a consideração de que é provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente.
Admitindo que estão verificados os requisitos da alínea c), para que possa ser atribuída a providência, o juiz tem ainda que fazer uma ponderação entre interesses públicos e privados nos termos no artigo 120º, nº 2 do CPTA e segundo um principio de proporcionalidade. Dos argumentos invocados pela entidade requerida, resulta que, caso seja concedida a autorização provisória, os danos para o interesse público serão superiores àqueles que poderiam resultar para o autor (interesse privado) se a providencia não fosse atribuída. Ou seja, se considerar tais factos, a atribuição da providência deve ser recusada pelo tribunal.
Evidencia-se ainda, no caso em análise, outra questão com alguma relevância, que diz respeito ao facto de no momento em que Bernardo intentou a acção administrativa e consequentemente solicitou a atribuição de uma providência cautelar, o artigo 86º/7 do Código dos Impostos Especiais de Consumo, já permitia ao autor realizar a sua pretensão, o que não se verificava no momento em que requereu tal autorização ao Director da Alfandega do Jardim do Tabaco. Quer isto dizer que, Bernardo já não terá interesse na manutenção do processo e da providência cautelar. Prevê o artigo 123º, nº 1, alínea e) que, as providências cautelares caducam se se extinguir o direito ou interesse a cuja tutela a providência se destina, face à acessoriedade da providência em relação à acção principal.
Acresce ainda, que o autor pretendia o conhecimento pelo tribunal de normas legais, designadamente, o artigo 86º do DL nº 566/99, o que não seria possível visto que a jurisdição administrativa conhece apenas  normas regulamentares.

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