terça-feira, 17 de maio de 2011

Resolução do caso Prático Nº2 relativo às Providências Cautelares


Resolução do caso Prático Nº2 relativo às Providências Cautelares

                  Bernardo, comerciante, dirigiu um requerimento ao Director da Alfândega do Jardim do Tabaco, através do qual solicitava autorização para introduzir, mensalmente, no consumo, determinados produtos de tabaco manufacturado em quantidades superiores a 30% da média mensal introduzida no ano económico anterior, com fundamento no artigo 86º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (Decreto-Lei nº 566/99, de 22 de Dezembro), com as alterações que lhe introduziu o Decreto-Lei nº 155/2005, de 8 de Setembro.
O Director da Alfândega do Jardim do Tabaco indeferiu o requerimento, pelo que, em seguida, Bernardo propôs uma acção administrativa especial contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública, através da qual pedia a anulação do acto referido, a condenação à prática do acto de autorização considerado devido e o pagamento de indemnização por todos os danos causados pelo facto de se encontrar impedido de vender produtos de tabaco em quantidades superiores às impostas pelos limites do artigo 86º, nº 6 do Código dos Impostos Especiais de Consumo, o que lhe era agora permitido pelo nº 7 do mesmo artigo.
Prevendo a demora do processo judicial, Bernardo dirigiu ao tribunal, um pedido com a finalidade de obter uma autorização provisória para a introdução no consumo de duas marcas de tabaco por ele comercializadas, em quantidades superiores ao limite previsto no artigo 86º, nº6, do atrás referido diploma. Alega, para o efeito, que a não concessão da autorização provisória solicitada acarretará prejuízos durante o período em que decorrer o processo principal, nomeadamente os decorrentes da impossibilidade de vender quantidades de produtos de tabaco superiores às que está autorizado a introduzir no mercado. Acrescenta ainda que esses prejuízos repercutir-se-ão necessariamente nos próximos anos de actividade e que, no caso o pedido principal venha a ser julgado procedente, não será possível reconstituir a posteriori todas as vendas de produtos de tabaco que poderiam ter sido realizadas durante o período em que a referida autorização deveria ter vigorado na ordem jurídica.
A entidade demandada contra-alegou destacando os seguintes factos:
1.       O deferimento da autorização provisória requerida acarreta danos para o interesse público superiores àqueles que poderão resultar para o Autor em consequência do indeferimento da sua pretensão;
2.       Durante o ano anterior, as introduções no consumo realizadas pelo Autor não têm um comportamento regular, quer quanto à periodicidade, quer quantitativamente;
3.       Atendendo ao regime de introdução no consumo destes produtos e à sua natureza, o escoamento do produto está sempre assegurado;
4.       Os prejuízos que o Autor alega não são qualificáveis de difícil reparação, pois as quantidades que deixarem de ser vendidas por motivos de quebra de stock dos produtos objecto do pedido, desde que em consequência directa, imediata e necessariamente decorrentes do indeferimento da autorização duradoura, são susceptíveis de avaliação duradoura, são susceptíveis de avaliação pecuniária precisa e qualificável e, como tal, são indemnizáveis.


Tendo em conta o caso em questão, e antes de procedermos à análise de cada um dos argumentos invocados pela entidade demandada, impõe-se uma breve introdução às características das providências cautelares.
O processo cautelar tem como finalidade a utilidade da lide, ou seja, de um processo que é mais ou menos longo, porque implica uma cognição plena. Assim, estes permitem garantir o tempo necessário para fazer justiça e são necessários para aqueles processos em que o tempo tem de cumprir-se para que se possa julgar bem, e em que é necessário assegurar a utilidade da sentença que, venha a ser proferida.
Por conseguinte, as providências cautelares têm características típicas como: a instrumentalidade, ou seja, a dependência, na função e não apenas na estrutura, de uma acção principal, cuja validade visa assegurar; a provisoriedade, não estando em causa a resolução definitiva de um litígio; e a sumaridade, que se manifesta numa cognição sumária da situação de facto e de direito, própria de um processo provisório e urgente.
Na hipótese em apreço verifica-se que Bernardo (recorrente) requer uma providência cautelar antecipatória, nos termos do artigo 112º, nº 2 alínea d) do CPTA, uma vez que o requerente pretende iniciar a comercialização pretendida durante a pendência da acção principal (antecipação, ainda que provisória, da solução pretendida). Relativamente aos fundamentos invocados pelo autor e contra-interessados, poder-se-á mencionar que os mesmos devem ser analisados pelo juiz para possível admissibilidade e recusa ou aceitação da providência cautelar. Para que esta seja admissível é necessário analisar (por parte do juiz) a probabilidade da procedência da acção principal para avaliar a existência do direito invocado pelo particular ou da ilegalidade que o particular diz existir – papel relevante do “fumus boni iuris”, uma vez que através deste último, o juiz verifica se há fundamento ou não da pretensão principal (evidência da legalidade ou ilegalidade da pretensão). Para além dos fundamentos descritos para possível admissibilidade da providência, é pertinente atentar ao disposto no artigo 120º, nº1, alínea c) do CPTA.
Quanto à análise do primeiro argumento invocado pela entidade demandada, pensamos que este não seria procedente, estando-se neste caso perante um problema de proporcionalidade na decisão da concessão. Trata-se de uma característica de protecção cautelar que implica a ponderação de todos os interesses em jogo, de forma a fazer depender a própria decisão sobre a concessão ou não, da providência cautelar dos interesses preponderantes no caso concreto, sempre que não seja evidente a procedência oi improcedência da pretensão formulada. 
O que está em causa é a possibilidade de, mesmo que se verifiquem, os dois requisitos fundamentais, isto é, quando haja probabilidade de procedência ou não seja manifesta a falta de fundamento da acção principal, o juiz deve recusar a concessão da providência cautelar, quando o prejuízo que resulte para o requerido que será sempre um prejuízo para o interesse público, se mostre superior ao prejuízo que se pretende evitar com a providência, o que significa que existe aqui um princípio da proporcionalidade, numa dimensão estrita do equilíbrio, quanto à decisão sobre a concessão ou recusa da providência cautelar. Assim teriam que se avaliar os resultados de cada uma das alternativas, não se concedendo a providência, mesmo que se verificassem os requisitos, quando os prejuízos da concessão sejam superiores aos prejuízos que resultariam da não concessão.
Contudo, apesar dos interesses do requerido corresponderem normalmente ao interesse público e por vezes prevalecer a ideia antiga da prevalência do interesse público sobre o interesse particular, não é isso que se deve retirar do regime legal, não podendo a lei ser interpretada como um reconhecimento implícito ou um pretexto para a prevalência sistemática do interesse público sobre o privado. Assim, a ponderação não se realizará quando de alguma forma seja evidente a procedência da pretensão principal, sendo manifesta a existência do direito do particular ou de uma ilegalidade por ele invocada. Não se trata de ponderar o interesse público com o interesse privado, mas sim os resultados ou prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou da recusa da concessão para todos os interesses envolvidos, sejam estes públicos ou privados. O que está em causa não será ponderar interesses em si, mas os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultaria da recusa ou da concessão da providência cautelar.
Relativamente ao segundo argumento, verifica-se que a análise dos fundamentos invocados pelo contra-interessado é da competência do juiz, podendo este conceder a providência, decretando “contra-providência”, para que o requerente se comprometa a não ter comportamentos irregulares na introdução do tabaco.
No que diz respeito ao terceiro argumento invocado, a questão remete-nos para a urgência e sumaridade do conhecimento da questão pelo juiz.
Neste tipo de processos a urgência é exigida pela garantia da utilidade da sentença, quando exista o perigo de inutilidade, total ou parcial, resultante do decurso do tempo e traduzindo-se na qualificação legal dos processos cautelares como processos urgentes, aos quais se aplica o regime geral destes processos, que seguem, uma tramitação célere.
Quanto à sumaridade cognitiva esta corresponderá a uma característica das providências cautelares, sendo aceitável pelo facto de se tratar de medidas que não são definitivas. Assim, a mesma manifesta-se na exigência de um juízo de probabilidade sobre a existência do direito que se pretende acautelar.
Por conseguinte, a lei atende à diversidade dos processos, graduando a urgência e prevendo um contraditório limitado. Contudo, admite, em situações de especial urgência, o decretamento provisório imediato de providência requerida, em 48 horas, seguido do decretamento definitivo, que será sujeito a um verdadeiro contraditório.
Tendo ainda em conta o carácter sumário do processo, justifica-se a obrigação de o requerente oferecer, na petição inicial, a prova sumária dos fundamentos do pedido, quanto ao interesse em agir, nos termos do art. 114º, nº 3 alínea g) do CPTA, bem como a norma que determina a presunção de verdade dos factos, invocados pelo requerente na falta de oposição, nos termos do art. 118º, nº 1 do CPTA.
Assim, relativamente ao caso em questão, se considerássemos que o requerente, Bernardo, na petição inicial, tivesse feita prova sumária dos fundamentos do pedido, nos termos dos artigos supra invocados, este argumento seria improcedente, verificando-se o carácter urgente do processo, que caracteriza o regime das providências cautelares.
Quanto ao quarto argumento poder-se-á mencionar que cabe ao juiz analisar, tendo em conta os fundamentos apresentados pelo requerente e contra-interessados, se existe prejuízo grave que se considere de difícil reparação para a concessão da providência cautelar, de acordo com as ideias de proporcionalidade e ponderação (garantia processual) dos fundamentos dos contra-interessados.

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