domingo, 20 de março de 2011

A responsabilidade aquiliana do Estado.

«O Ministério Público tem neste momento entre mãos 80 processos -crime relativos a negligência médica, apurou o DN junto de fonte da Procuradoria-Geral da República (PGR). São casos como o dos doentes do Hospital de Santa Maria que cegaram e em que é preciso apurar se resultaram de erros clínicos. Os processos estão distribuídos pelos Departamentos de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, Porto, Coimbra e Évora.
O aumento do número de casos suspeitos de negligência médica é visível pela quantidade de pedidos de parecer que chegam ao Instituto Nacional de Medicina Legal (INML). Em 2001, tiveram apenas 32 pedidos e em 2008 foram solicitados 202. Ou seja, por mês são emitidos uma média de 16 pareceres. Segundo adiantou ao DN Cristina Cordeiro, daquele instituto, as especialidades com mais casos foram a medicina interna, que originou 240 pareceres, desde 2001. Logo depois surge a obstetrícia, com 114, desde o mesmo ano, e a cirurgia geral com 111.
A obstetrícia é também uma das áreas que mais queixas faz chegar à Ordem dos Médicos (OM). O presidente do Conselho Disciplinar da OM, Francisco Freire de Andrade, adiantou ao DN que, dos 110 0 casos que neste momento estão a ser analisados, entre 30 e 40% dizem respeito a erro médico.
No total, nos últimos oito anos, os técnicos do INML elaboraram 931 documentos, correspondendo a 899 processos. É que em alguns casos foi pedido mais do que um parecer sobre o mesmo processo. O papel dos técnicos, explica Cristina Cordeiro, é verificar se "a actuação do médico ou profissional de saúde foi adequada a determinada situação, de acordo com a boa prática médica".
Aliás, estes peritos irão participar no processo que envolve os doentes do Hospital Santa Maria. Segundo apurou o DN, os peritos do INML irão estudar as substâncias que se suspeita estarem no líquido que foi dado aos seis doentes que cegaram depois de serem operados aos olhos, a 17 de Julho de 2010. O parecer destes técnicos será feito a pedido da PGR, nomeadamente da 6.ª secção do DIAP de Lisboa, que tem a investigação dos doentes do Hospital Santa Maria entre mãos. É que só a PGR, o ministro da Justiça e o Conselho Superior de Magistratura têm competência para requerer estes serviços.
Ao contrário do processo de Santa Maria, grande parte das situações de negligência investigadas pela PGR resultaram na morte do doente. Um dos casos mais polémicos aconteceu no Hospital Egas Moniz, onde Carlos Mascarenhas, de 30 anos, morreu asfixiado depois de ser operado ao pescoço. A enfermeira e a anestesista que estavam de serviço foram condenadas a pagar uma indemnização de 5200 euros e 1700 euros respectivamente.
Uma análise da Inspecção-Geral da Saúde, divulgada no passado mês de Março, revela que entre 2005 e 2007 os pedidos de indemnização aos hospitais públicos por assistência clínica alegadamente deficiente atingem 29 milhões de euros.»
In. Notícia publicada no Jornal Diário de Notícias:

Comentário:

A publicação desta notícia no Blogue de Contencioso Administrativo tem como objectivo fazer a "ponte" entre os acontecimentos da vida real e como o Direito Administrativo pode resolver estes casos que perturbam a sociedade. Cada vez mais somos confrontados com casos de negligência grosseira dos serviços de medicina dos Hospitais e demais serviços de saúde. Todos dependemos dos serviços de saúde e confiamos que aqueles que nos tratam tudo fazem para conseguir resolver as nossas patologias, prestação de meios e não de resultado, bem entendido. Mas o que temos constatado é que começam a ser cada vez mais reiteradas as situações em que os utentes apresentam queixa junto das autoridades oficiais por maus tratos e decisões médicas mal tomadas que em último caso acabam em morte, como é noticiado supra.
Para tal vamos fazer uma abordagem sistemática pela lei processual, tendo em conta as matérias já abordadas nas aulas práticas.
A primeira questão que um leigo em Direito pode fazer é em que instância jurisdicional intenta a acção de responsabilização civil do Estado por actos de negligência?
Nos casos de morte e em que se pode questionar a prática de um crime o tribunal indicado será o comum na sua vara criminal. Mas não se deixa de possibilitar ao cidadão que intente uma acção num tribunal Administrativo, vide o disposto no artigo 4.º, n.º1, al. h) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais: "no âmbito da jurisdição destes cabem a apreciação de litígios que tenham por objecto a responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos."
As pessoas vítimas da falta de cuidado dos agentes públicos têm direito a ser indemnizadas pelo Estado, pessoa colectiva, que se responsabiliza pelos actos dos seus órgãos e entidades, como é caso dos médicos e dos serviços hospitalares. Para tal deve ser consultado o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, e não há dúvidas que para estes casos este Regime tem aplicação, vide artigo 1.º do Regime no seu n.º 3. Como sabemos, o papel das indemnizações em dinheiro é suplantar um facto ocorrido em que não é possível a sua reconstrução "in natura", mas por vezes tal não é possível e cada vez mais assistimos a isso, os doentes oftalmológicos do Hospital de Santa Maria ficaram cegos, não se lhes pode voltar a dar a visão, a mãe que por negligência ficou sem o seu filho durante o parto, não se pode ressuscitar o bebé, a pessoa que morre... Com isto queremos demonstrar que as indemnizações são na maior parte dos casos a única solução possível para fazer face aos casos de falta de cuidado dos médicos, enfermeiros e restante pessoal médico, daí a previsão legal no artigo 3.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, no seu nº 2.
O que nos questionamos é se uma vez praticado o facto lesivo quem o praticou fica desonerado de responsabilidades e vê o Estado a responder pelos seus actos e não lhe é atribuída nenhuma sanção?
Claro que dentro da Administração do Estado existem formas de sanção disciplinar e bem como o próprio Tribunal pode decretar a suspensão dos agentes culpados e até interditar a sua actividade, neste caso médica por um período limitado no tempo, como forma de punição pelos danos causados. Mas para além destas situações o Estado que pagou a indemnização pode fazer uso do direito de regresso sobre estas pessoas ou entidades, vejamos o disposto no artigo 6.º do Regime da Responsabilidade Extracontratual do Estado.
Mas será que estes casos só acontecem com os médicos e na área da saúde?
A verdade é que o que tem chocado mais são os casos noticiados de negligências médicas, mas não ficam sem gravidade as decisões tomadas pelos magistrados no exercício do seu poder de soberania.   A responsabilidade por erros judiciários vem prevista no artigo 13.º do Regime da Responsabilidade Civil do Estado, em que se diz que "o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto".
Mas sucederá o mesmo aos juízes que aos médicos, por exemplo, quando estão em causa decisões ou comportamentos lesivos de direitos dos particulares?
Vide o disposto no artigo 14.º do Regime supra mencionado, os magistrados não podem ser directamente responsabilizados pelos danos decorrentes dos actos que pratiquem no exercício das suas funções, se atendêssemos só à primeira parte da disposição legal tal levaria à conclusão de total imunidade dos magistrados pelos seus actos que levam a que por vezes se decida entre a liberdade e a cadeia e uma vida pode ficar comprometida para sempre. Mas deve-se ver o disposto na segunda parte da disposição legal: "quando tenham agido com dolo ou culpa grave, o Estado goza de direito de regresso contra eles, sendo que tal decisão cabe ao órgão competente para o exercício do poder disciplinar, que dependendo dos casos pode ser o Conselho Superior da Magistratura ou a Procuradoria-geral da República.
Contudo, o que temos vindo a verificar é que na maior parte dos casos o Estado tem pago as indemnizações enquanto os verdadeiros e concretos agentes dos factos danosos não têm sido condenados no pagamento das indemnizações por via indirecta através do direito de regresso.
O que apelamos é para uma maior consciencialização e para uma conduta mais cuidada dos agentes públicos que tratam dos cidadãos de modo a evitar que o Estado tenha que pagar o que quer que seja, tal significa que cada entidade, órgão e pessoa que trabalha na administração está a fazer o seu melhor. Bem sabemos que riscos sempre existem em qualquer profissão, mas a diligência é o caminho para que estes sejam minorados ao máximo!

Hélio de Sousa, sub-turma9, aluno FDL 17307


sexta-feira, 11 de março de 2011

Boas-vindas e sugestão de tema

Caros alunos,
Sejam bem-vindos ao blog e à disciplina de contencioso administrativo.
Espero que este semestre seja proveitoso, interessante e agradável.
Gostaria que começassem cedo a deixar mensagens e comentários, para evitar pressas e congestioamentos do blog à ultima hora, ou seja, em Maio.

Fica, desde já, uma sugestão de tema:
Qual a jurisdição competente para conhecer de pedidos destinados a evitar a aplicação do artigo 19.º da Lei do Orçamento para 2011 (o famoso preceito dos cortes salariais na Adinistração Pública) e quais os meios processuais adequados?

Bom trabalho!
Alexandra Leitão

quinta-feira, 3 de março de 2011

Há dez anos - Uma Ponte caiu!



Uma Ponte, O Estado, as Responsabilidades!

Há dez anos atrás a ponte de Entre-os-Rios cedeu ao peso de vários anos e consigo levou 59 vidas! As famílias ficaram destruídas e ainda hoje não se esquece a tragédia imortalizada pela imagem de um anjo d'oiro que olha o rio como quem vela os corpos que nunca mais apareceram. Meus caros, como é que este caso se relaciona com o Contencioso Administrativo?
Pois bem, à partida poderia parecer que nada diz a este ramo do Direito, mas a verdade é que quando o Estado (Administração Central e Local) não exerce o seu papel de tutela efectiva dos direitos dos cidadãos e deixa que se ponha o sol sobre as expectativas legítimas de cada membro da comunidade política, então julgo ser de todo importante que o Contencioso Administrativo tenha uma palavra séria. Há muito que o nosso modelo de Estado deixou de ser de total promiscuidade entre quem administra e quem julga. Neste caso concreto o Estado ao longo de anos violou a Constituição por Omissão. Porquê? No meu entender quando não assegura o direito à segurança dos seus cidadãos e deixa sem lei a produção de certas matérias-primas como as areias está a sobrepor os interesses económicos ao direito à vida das pessoas que andam por este país. Se fosse há algumas décadas atrás e a administração decidi-se e executa-se as suas decisões sem mais, isso poderia acarretar grandes injustiças e mesmo chegar ao ponto de abdicar do próprio Estado de Direito Democrático. Mas coloco uma questão: estará este modelo a funcionar em plenitude? Estarão a ser respeitados os direitos fundamentais das pessoas? Pois bem, todos têm direito a uma justiça séria e por exemplo à consulta pelos interessados do ponto de situação dos procedimentos administrativos, mas por vezes as pessoas deparam-se com um não! Um não desrespeitador dos princípios de Direito Administrativo. Aquando do processo indemnizatório dos familiares da vítimas da queda da Ponte de Entre-os-Rios, os entes interessados bem procuravam informações mas nada lhes era fornecido e só depois de um processo moroso é que receberam a noticia de que receberiam uma indemnização de cerca de 50 mil euros por cada falecido. Pergunto: terão sido os representantes das vítimas ouvidos devidamente? Terão concordado, quando chegaram a ficar desfeitas famílias inteiras quando o elemento activo se perdeu? Hoje, o próprio Presidente de Câmara à altura questionava-se se a decisão que tomou teria sido a mesma ou se não seria melhor o pagamento faseado durante a vida dos familiares. Com dúvidas ficamos todos mas a verdade é que as pessoas perguntam pela justiça e hoje vivemos num Estado em que a sua função também é prestadora e zeladora do bem-estar da comunidade política. Nunca se ouviu dizer que algum interessado tivesse recorrido da sentença ou do valor das indemnizações mas a verdade é que se tal tivesse sucedido os Tribunais Administrativos teriam que ter uma verdadeira postura quanto à responsabilização dos órgãos da administração, e a verdadeira postura é julgar segundo os princípios de Direito e sem promiscuidades, numa total separação entre quem administra e quem julga!

Consultem a notícia em anexo publicada na Rádio Renascença.
O segundo link tem dois vídeos!

Hélio de Sousa.
Sub-turma 9 - 17307