quinta-feira, 28 de abril de 2011

Simulação de Julgamento.

FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA


CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO

SIMULAÇÃO DE JULGAMENTO


            O Governo português, na sequência do empréstimo extraordinário para o reequilíbrio finaceiro, comprometeu-se formalmente com o FMI, o BCE e a comissão da União Europeia a diminuir em dez por cento o montante dos salários auferidos em todos os empregos públicos, assim como a suspender todas as iniciativas conducentes à realização de investimentos públicos extraordinários, nomedamente as destinadas à construção do segundo aeroporto de Lisboa.
João Àrasquinha, que trabalha no Ministério da Economia, está particularmente revoltado pois, ao mesmo tempo que sofreu pela primeira vez, no pagamento de Maio deste ano, a referida redução salarial, ouviu na Comunicação Social notícias que punham em causa a suspensão da construção do novo aeroporto, em razão dos compromissos antes assumidos. Tendo sabido pelo filho, Francisco Espertalhão, das novas possibilidades abertas pela reforma do Contencioso Administrativo, resolveu impugnar o montante salarial obtido no presente mês, alegando a violação do seu direito fundamental ao trabalho e das garantias constitucionais dos funcionários públicos, ao mesmo tempo que pedia a condenação do Estado a que pusesse imediato termo à construção do segundo aeroporto de Lisboa. Na sequência da abertura do referido processo, a empresa Sóbetão pretende, à cautela, intervir como contra-interessada, para a defesa dos contratos, por si celebrados com o Governo português, destinados à construção do segundo aeroporto de Lisboa, alegando que o que está aqui em causa é uma decisão política, que não pode ser resolvida por um qualquer tribunal.

 Quid iuris?


(N.B. Trata-se de uma hipótese meramente académica pelo que qualquer semelhança com factos e personagens da vida real é pura coincidência O presente texto constitui apenas uma hipótese de trabalho, destinado a delimitar as questões jurídicas objecto da simulação, podendo (devendo) os pormenores concretos do caso ser completados ou reconstruídos, na simulação de julgamento a realizar em cada uma das turmas).

segunda-feira, 25 de abril de 2011

FORMAS DE PROCESSO NO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO

            Na garantia da tutela jurisdicional dos direitos dos cidadãos é reconhecido aos mesmos o direito de acesso ao direito e aos tribunais, o direito a obter uma decisão judicial em prazo razoável e mediante processo equitativo e o direito à efectividade das sentenças proferidas. Deste modo, para protegerem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos há que recorrer junto dos Tribunais Administrativos, mediante as respectivas acções intentadas – Acção Administrativa Comum vs. Acção Administrativa Especial.

O CPTA estabelece uma forma de processo comum e prevê algumas formas de processo especiais.

A forma administrativa comum de processo é o da acção administrativa comum, visto ser aplicável a todos os litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição administrativa que, nem no CPTA, nem em legislação avulsa, sejam objecto de regulação especial. Assim, estas acções são reguladas pelo processo de declaração previsto no CPC, nas formas ordinária, sumária e sumaríssima, conforme o valor da causa, arts. 35º/1 e 43º CPTA, com as especificidades determinadas pelo próprio CPTA.

No que respeita aos processos especiais, além dos regulados especialmente no CPTA, há que considerar também os processos regulados em outras leis. Portanto, nos processos principais regulados no CPTA temos a acção administrativa especial e os processos urgentes. A primeira é regulada especificamente pelo CPTA (arts. 46º e ss. CPTA) e só subsidiariamente pelo CPC, englobando três tipos fundamentais de pedidos – a impugnação de actos, a condenação à prática de acto legalmente devido, a impugnação e a declaração de ilegalidade da omissão de normas; o segundo abrange dois tipos de impugnação urgentes – relativamente ao contencioso eleitoral e pré-contratual – e outras duas intimidações – para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões e para protecção de direitos, liberdades e garantias. Ambos são identificados pelo CPTA estabelecendo-lhes regras próprias, arts. 97º e ss. CPTA.

Quanto aos processos regulados em outras leis há a considerar as acções administrativas avulsas. Estas não são reguladas no CPTA, mas constituem objecto de regulação especial em legislação avulsa, com particularidades de regime. Como exemplo temos: as acções para declaração de perda de mandato local e as intimações urbanísticas, isto é, a intimação judicial para a prática de acto legalmente devido e a intimação judicial para emissão de alvará.

Assim sendo, há que distinguir a acção administrativa comum da acção administrativa especial, sendo estas concebidas para os litígios cujos objectos sejam pretensões emergentes da emissão ou da omissão de actos administrativos ou de normas de direito administrativo.

O critério decisivo para a distinção entre os dois domínios de regime processual parece ser o da existência, ou não, de uma relação jurídica tendencialmente paritária entre as partes – haverá um regime especial nos casos em que se afirme a autoridade de uma das partes sobre a outra, em regra, a Administração sobre o Particular. Essa diferença é clara na utilização da acção administrativa especial no âmbito das relações contratuais quando se pratiquem actos administrativos na execução dos contratos, art. 47º/2/d) CPTA.

Analisando cada uma das acções especificamente temos que, nos termos do art. 37º/1 CPTA, a forma de acção administrativa comum é aplicável a todos os litígios sujeitos à jurisdição administrativa relativamente aos quais não esteja expressamente estabelecida uma regulação especial, pelo CPTA ou por legislação avulsa, designadamente uma “acção administrativa especial”, ou um “processo urgente”.

O objecto da acção administrativa comum pode ser constituído pelos mais variados pedidos no âmbito de relações jurídicas administrativas e a sua delimitação terá de ser feita pela negativa, isto é, a acção administrativa comum constituirá o meio adequado de acesso à justiça administrativa, se não estiver em causa um litígio relativo à prática ou à omissão de actos administrativos impugnáveis ou de normas.

Nas acções administrativas especiais, como vimos, seguem a forma da acção administrativa especial os processos relativos a pretensões emergentes da prática ou da omissão de actos administrativos ou de disposições normativas de direito administrativo, art. 46º/1 CPTA.

Esta forma de processo especial admite vários pedidos, art. 46º/2 CPTA, sendo que cada um deles tem aspectos específicos quanto ao regime processual. Assim, no que concerne aos actos administrativos, os processos impugnatórios mantêm-se, com os pedidos de anulação ou declaração de nulidade ou inexistência de actos administrativos, mas consagra-se o novo pedido de condenação à prática de acto legalmente devido.

Quanto aos processos urgentes – outra modalidade de processo especial – o CPTA dedica-lhes um título específico, integrando diversos processos, agrupados nas categorias de impugnações urgentes e de intimações, arts. 97º e ss. CPTA.

É de referir que aqui se tratam de processos urgentes principais, os quais se distinguem quer dos processos principais não urgentes, quer dos processos cautelares. Tal significa que, a ideia de processos principais urgentes, os quais são caracterizados pela sua celeridade ou prioridade, radica na convicção de que determinadas questões devem ou têm de obter, quanto ao seu mérito, uma resolução definitiva pela via judicial num tempo curto. Portanto, a lei configura como processos urgentes aqueles que visam a pronúncia de sentenças de mérito, tendo em consideração a natureza dos direitos ou dos bens jurídicos protegidos ou até das pessoas envolvidas.

Tendo em conta estes aspectos, o CPTA autonomiza, em título próprio, como processos principais urgentes, quatro espécies de processos:

1.      As impugnações relativas a eleições administrativas;

 2. A formação de determinados contratos;

3. As intimações para prestação de informações;

4. As intimações para protecção dos direitos, liberdades e garantias.

Porém, o art. 36º CPTA, na sua enumeração legal não estabelece um numerus clausus que exclua a possibilidade de outros processos revestirem carácter urgente, pois um processo cautelar, por exemplo, pode vir a tornar-se num processo urgente principal – a convolação de processo cautelar em processo principal é conferida pelos arts. 121º e 132º/7 CPTA.

Por fim, o CPTA também define um regime processual geral para os processos urgentes, que é aplicável a todos eles, em acumulação com a regulação específica de cada um. Assim, além das fases processuais serem abreviadas e os prazos mais curtos, todos os processos correm em férias judiciais, com dispensa de vistos prévios, sendo os actos da secretaria praticados no próprio dia, com precedência sobre quaisquer outros, subindo os recursos imediatamente, com os prazos respectivos reduzidos a metade.

Em suma, esta opção do CPTA por estabelecer estas duas formas de processo, abandonando o modelo anterior, com base na ideia do recurso de anulação, permite aos cidadãos acederem aos tribunais e ao direito, a fim de reivindicarem os seus direitos ou exigirem a protecção de um direito, o que consequentemente confere a estes uma garantia, pois estabelece-se um direito à protecção judicial, art. 20º CRP.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

A cura da "crise de identidade"!!

O estudo de Contencioso Administrativo e Tributário, na minha óptica, não deve nunca descurar que o que hoje é actual e aplicável nos tribunais administrativos portugueses, fruto de uma profunda reforma que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2004, outrora não o foi. E, digo isto, numa temática que me chamou particularmente à atenção, talvez por existir pré-reforma e ter sido completamente eliminada, pós-reforma. Estamos aqui perante uma manifestação clara da grande reforma do Contencioso Administrativo.

Refiro-me ao Recurso Contencioso de Anulação, que a medo, mas ainda convictamente penso ser de algum interesse saber o que era e porque deu lugar à Impugnação de Actos Administrativos. Assim, cabe primeiramentem explorar as duas figuras:
  • Recurso de Anulação: nasceu da necessidade de conciliar o princípio da separação de poderes com o controlo da actividade administrativa. Teve uma importância histórica extrema, contudo era de há muito, uma realidade  em "crise de identidade". Cfr. "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise" ponto 2, página 318 do Professor Vasco Pereira da Silva. Note-se que o recurso de anulação se trata de um meio de impugnação de um acto administrativo, interposto perante o Tribunal Administrativo competente, a fim de obter a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência desse acto. Tratando-se de um recurso, é um meio de impugnação de actos actos unilaterais de uma autoridade pública, não é uma acção; sendo contencioso, é uma garantia que se efectiva através dos tribunais; e de anulação, visando eliminar da ordem jurídica um acto administrativo inválido, obtendo para esse efeito uma sentença que reconheça essa invalidade e que, em consequência disso, o destrua juridicamente. Contudo, para o Professor Vasco Pereira da Silva, o recurso de anulação revelava "conflitos insanáveis" entre o alargamento cada vez meis crescente do universo dos actos recorríveis e os "preconceitos" teóricos decorrentes da "infância difícil" do Contencioso Administrativo ao tempo do sistema do Administrador-juiz. Ainda, para este Professor, o recurso de anulação ao viver esta crise de identidade levou-o à enunciação de duas teses:
  1. O Recurso de Anulação não é um recurso
  2. O Recurso de Anulação não é (apenas) de anulação
Posto isto, o recurso de anulação nao era um recurso, mas uma acção chamada recurso. Acção, pois estavamos perante uma primeira apreciação jurisdicional de um litígio emergente de uma relação jurídica administrativa, na sequência da prática de um acto pela Administração, e não de uma apreciação jurisdicional de segunda instância versando sobre uma decisão judicial.


  • Impugnação de Actos Administrativos: O Professor Vasco Pereira da Silva encara esta figura como uma "homenagem póstuma" ao recurso de anulação. A Impugnação possibilita a apreciação na integralidade da relação jurídica administrativa no seguimento da impugnação de um acto administrativo lesivo, o que resulta do mecanismo de cumulação de pedidos. A reforma veio inovar admitindo esta figura de acordo com a regra de que todas as cumulações são possíveis desde que a relação jurídica seja a mesma, ou similar (art.º 4 e art.º 47 do CPTA). Assim, agora, todos os pedidos necessários à tutela dos direitos das relações administrativas são admissíveis no processo declarativo pelo que, mesmo quando estejamos perante a modalidade da (sub)acção de impugnação da acção administrativa especial, é sempre possível a cumulação aparente do pedido de anulação do acto administrativo com o pedido de condenação ao restabelecimento da situação anterior (art.º 4, nº2 a) e art.º 47, nº2 b do CPTA)).
Então, mas em que diferem e o que traz a acção de impugnação de actos administrativos de novo?

Penso que a grande diferença e, baseio-me nas palavras do Professor, é a de que, actualmente, não me parece que seja razoável vermos a autoridade administrativa no mesmo plano que o tribunal, o que acabaria por confudir Administração e Justiça, o que sucedeu nos tempos do Administrador-Juiz. Não esquecendo, ainda, o "passado", o recurso de anulação considerava que pelo princípio da separação de poderes, o tribunal só podia anular actos administrativos. A diferença parece-nos óbvia e como que jurisdicionalização ao eliminar esta figura e observarmos a uma homenagem póstuma através da acção de impugnação de actos administrativos, em que foi o mesmo que passarmos do contencioso de "mera anulação" para o de "plena jurisdição".

Em suma, o legislador veio estabelecer que desde 2004 que todos os pedidos são admissíveis e que o objecto de apreciação jurisdicional se deve ampliar do "processo do acto" para o juízo sobre a relação jurídica administrativa, contrariamente ao que tinhamos com o recurso de anulação em que o único pedido admissível era o de anulação do acto administrativo sendo que o efeitos das sentenças dele decorrentes era o de natureza constitutiva, ou de anulação.



Maria João Mendes                                    Subturma  9                              Nº 16764

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Resolução do Caso Prático I (Cumulação de pedidos)

Caso Prático I (Pág. 31)

António vê o seu pedido a ser indeferido pela Administração, pretende então obter a licença e ser indemnizado por não ter obtido a licença assim que a pediu.
Relativamente ao primeiro pedido, é possível concluir que o mesmo seguirá a forma de acção administrativa especial, sendo uma condenação à prática de acto devido, prevista nos arts. 46º/2/b) e 66º e ss. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA).
Apesar de já ter sido aqui referido no blogspot, convém recordar novamente os pressupostos de aplicação dos arts. 66º e  67º CPTA: 
  • Acto devido – segundo a definição apresentada por VIEIRA DE ANDRADE, será aquele que na perspectiva do autor, deveria ter sido emitido e não foi, quer haja uma omissão ou recusa por parte da Administração. De notar, como faz o autor referido, que o acto não necessita de ser estritamente vinculado perante a lei, podendo abranger casos em que seja necessário o exercício de discricionariedade, como no caso em apreço, já que o licenciamento corresponde a uma situação em que a Administração tem discricionariedade para a prática do acto;
  • Existência de um procedimento prévio, ou seja, é necessário que o interessado tenha efectivamente apresentado um requerimento dirigido ao órgão competente com a pretensão de obter a prática de um acto administrativo, caso contrário, não fará sentido exigir à Administração que pratique um acto que nunca foi requerido.
O art. 67º CPTA, prevê três tipos de situações taxativas, porém na hipótese em apreço, a que é aplicável é a prevista na alínea b) do nº1, ou seja, casos em que é indeferida expressamente a pretensão. Ora, no nosso caso, o pedido de instalação foi expressamente recusado pela Administração, pelo que estaria preenchida a alínea referida.
É necessário também salientar que António tem legitimidade activa nos termos do art. 68º/1/a) CPTA e que dispõe de três meses para propor a acção nos termos do art. 69º/2 CPTA.
Quanto ao segundo pedido, António pretende ser indemnizado pelos danos sofridos pelo atraso no licenciamento, tal pedido segue a forma de acção administrativa comum nos termos do art. 37º/2/f) CPTA.
O regime da cumulação de pedidos encontra-se previsto nos arts. 4º, 5º e 47º CPTA. Tendo em conta a alínea a) do nº1 do art. 4º CPTA é permitida a cumulação quando a causa de pedir seja a mesma ou os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência, assim sendo não haveria qualquer obstáculo à cumulação dos pedidos em causa. Outras disposições também demonstram que não haveria problema na cumulação, tais como, a alínea f) do nº2 do art. 4º CPTA e a parte final do nº1 do art. 47º CPTA que remete para o nº2 do art. 46º CPTA, ambas retratando casos idênticos ao caso em apreço.
Contudo, é necessário salientar como faz MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, que o facto de o pedido indemnizatório assentar numa causa de pedir complexa, já que depende da verificação dos requisitos da responsabilidade civil,  poderá levar a que por vezes o pedido principal proceda sem que o mesmo suceda com o pedido indemnizatório. O autor refere também que o pedido de indemnização só se justifica quando previsivelmente subsistam danos indemnizáveis que não sejam susceptíveis de serem reparados através do restabelecimento da situação anterior à prática da ilegalidade, na sequência da decisão a proferir em relação ao pedido principal, porém na hipótese em apreço, compreende-se que António exija uma indemnização, facilmente se chega á conclusão que um simples atraso infundado poderá trazer danos, além de que a sociedade onde é presidente depende desses licenciamentos para obter lucro.
Por fim, o facto de o primeiro pedido seguir a forma de acção administrativa especial e o segundo a forma de acção administrativa comum não prejudicam a cumulação nos termos do art. 5º/1 CPTA, adoptando-se a forma especial e seguindo-se a tramitação da mesma com as devidas adaptações. Graças a esta solução, segundo VASCO PEREIRA DA SILVA, ocorre um fenómeno de “troca de nomes”, já que a acção “comum” passa a ser “especial”.

João Carlos Neto Peixe, nº 17356

terça-feira, 12 de abril de 2011

Art. 71º/2 CPTA, um verdadeiro limite à pronúncia dos tribunais?


No seguimento do estudo da acção administrativa especial, nomeadamente nos casos de condenação à prática de acto devido previsto nos arts. 66º e s.. do CPTA e da leitura de uma interessante análise crítica feita pela Dr.ª Maria Francisca Portocarrero na Revista da Ordem dos Advogados, pareceu-me de interesse falar da problemática subjacente ao art. 71º/2 CPTA.
O art. 71º do CPTA incide sobre a delimitação dos poderes de pronúncia do tribunal na matéria da condenação à prática de actos administrativos, novidade trazida pela Reforma de 2004 e bastante aplaudida por parte da doutrina, já que veio alargar os poderes dos tribunais. Contudo é o nº 2 que mais reticências tem levantado em alguma doutrina. Este preceito começa por enunciar dois requisitos dos quais faz depender a sua aplicação, são eles a “formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa” resultante da emissão do acto e “a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível”, ou seja casos em que é necessário o exercício da discricionariedade, acabando o artigo por concluir que preenchidos estes requisitos o tribunal não poderá determinar o conteúdo do acto a praticar, devendo explicitar as vinculações a observar pela Administração.
Ora, o busílis da questão resulta exactamente desta parte final, o preceito que começa por limitar os tribunais não acabará por conceder um poder de direcção/controlo excessivamente “generoso” aos mesmos violando assim o princípio constitucional da separação de poderes? Não estaremos então a comprimir a discricionariedade atribuída à Administração ao permitir que os tribunais influenciem a decisão, operando assim uma inversão de papéis? Será viável perante um preceito tão equívoco esperarmos por uma auto-contenção dos tribunais?
Como refere MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, o nº2 não pretende de todo dizer a que é que o tribunal pode e deve condenar a Administração, segundo este autor, a única pretensão subjacente a este preceito é “estabelecer um conjunto de parâmetros ou de linhas orientadoras, identificando os grandes tipos de situações com que o tribunal se pode ver confrontado quando for chamado a condenar a Administração à prática de um acto administrativo”, muito bem, mas se assim é, não deveria o legislador ter optado na Reforma de 2004 por outra expressão que não “explicitar as vinculações a observar”, parece-me que se optou por o uso de algo bastante vago, deixando o que sejam vinculações a observar nas mãos dos tribunais e podendo os mesmos “cair na tentação de transformar aqueles parâmetros de juridicidade de limites em critérios directos de conduta” nas palavras de SÉRVULO CORREIA.
Além de que, como refere MARIA PORTOCARRERO esta explicitação de vinculações corresponde ao que no projecto do CPTA se tinha por “as directivas de juridicidade do iter valorativo e cognoscitivo que conduz a decisão administrativa”, sem no entanto estabelecer qual deva ser o conteúdo do acto. Vê-se o quão pertinente é a observação da autora, pois esta referência no projecto do CPTA vem demonstrar que não é possível estabelecer directivas do iter valorativo e cognoscitivo que conduz à decisão da Administração sem estabelecer indirectamente o conteúdo do acto a ser emitido. Assim sendo, correspondendo (como parece...) as valorações a tais directivas, não fará sentido a ressalva da parte final do art. 71º/2 CPTA, pois mais não será do que um “limite mascarado” ou “entorse” jurídica nas palavras da autora supra mencionada.
É claro que os tribunais, nunca poderão ter competência decisória relativamente a situações de interesse público concreto para as quais o legislador previu uma decisão administrativa discricionária, pois o órgão de eleição quanto a juízos técnicos é a Administração, sendo esta que dispõe dos melhores meios para decidir nestes casos. Mas um olhar menos atento ao nº2 do art. 71º poderá perceber que uma explicitação como a prevista na parte final do preceito levará a que o conteúdo do acto venha a ser bastante influenciado, distorcendo-se assim a natureza discricionária que deveria resultar deste, assim como as regras de competência.
A interpretação mais correcta a fazer do artigo é a apresentada por VIEIRA DE ANDRADE que propõe que em todos os casos em que a emissão do acto administrativo envolva a formulação de “valorações próprias do exercício da função administrativa”, o juiz terá de limitar-se a uma condenação genérica, com as indicações vinculativas que puder retirar das normas jurídicas aplicáveis, sem pôr em causa a autonomia da decisão do órgão administrativo.
É possível admitir, tal como fazem alguns autores, a adopção de outros meios por parte do legislador, a título de exemplo é indicado o caso da pronúncia judicial declarativa tal como é adoptada no direito comunitário quando haja uma omissão da instituição comunitária em causa, onde o juiz apenas se limita a declarar que se verifica uma violação (art. 232º do Tratado de Roma). Parece-me que esta solução seria insuficiente, devendo o tribunal administrativo além da verificação da violação, emitir uma recomendação não vinculativa explicitando o que entende que deveria ou deverá ser feito pela Administração, garantindo assim a autoria administrativa e a sua autonomia decisória. De certa forma, acabaríamos por ter um regime bastante semelhante ao previsto no art. 77º CPTA relativo à declaração de ilegalidade por omissão.
Explanados os pontos-chave do tema, devo dizer que não chego ao extremismo apresentado pela autora que chega mesmo a admitir uma “teoria da conspiração” pois considera que a intenção por detrás do art. 71º/2 CPTA é a rule of law e as suas virtudes quanto à predominância dos tribunais nos sistemas de common law. Porém considero, com todo o respeito, que o preceito deveria estar construído de maneira mais cautelosa e que deve ser alvo de uma interpretação restritiva, não ao ponto de eliminarmos esta “novidade” trazida pela Reforma de 2004 em que se atribui aos tribunais um poder de pronúncia e que é de aplaudir, mas sim de modo a que não seja tão sentido este choque da discricionariedade da Administração com a explicitação de vinculações por parte dos tribunais, para que não tenhamos a Administração a seguir apenas directivas emanadas dos órgãos jurisdicionais.

João Carlos Neto Peixe, nº 17356

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Resolução de Casos Práticos - Impugnação de normas

I

Em primeiro lugar, importa dizer que a matéria aqui tratada diz respeito à impugnação de normas, regulada nos arts. 72º a 77º do CPTA.

De acordo com o art. 2º/2 h) CPTA, a declaração de ilegalidade de normas emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo cabe na tutela dos tribunais administrativos.

O art. 46º/2 c) CPTA vem por sua vez inserir a declaração de impugnação de normas na acção administrativa especial.

Admitem-se dois tipos de pedido: o pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e o pedido de declaração de ilegalidade num caso concreto.

Nesta situação, terá aplicação o art. 73º/2, pois a associação “Pesca no Bugio” pretende impugnar o Plano de Ordenamento do Estuário do Tejo, uma vez que este afecta a actividade dos seus associados. Pretende-se pois que o referido Plano seja desaplicado no caso concreto. Tal desaplicação pode ser pedida pelo lesado quando os efeitos da norma se produzam imediatamente, sem dependência de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação. Todavia, refere o enunciado que a aplicação do regulamento em causa depende de acto administrativo.

Desta forma, não se encontram preenchidos os pressupostos do art. 73º/2, excluindo-se assim a possibilidade de um pedido de declaração de ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto.

O prazo não constitui neste caso um problema, visto que o pedido pode ser feito a todo o tempo, como refere expressamente o art. 74º.

Relativamente à legitimidade activa, estabelece o nº2 do art. 73º que o pedido de declaração de ilegalidade compete ao lesado ou qualquer das entidades referidas no nº2 do art. 9º, prevendo este a legitimidade das associações defensoras dos interesses em causa, entre outros. Ora a associação “Pesca no Bugio” agiu em defesa dos interesses dos seus associados, que seriam os lesados. Não tem portanto razão o Conselho de Ministros ao alegar a falta de legitimidade da associação.

Quanto à legitimidade passiva, recai esta sobre o Conselho de Ministros, mediante o disposto no art. 10º/2.

Concluindo, a argumentação do Conselho de Ministros não tem fundamento no tocante à legitimidade da associação para impugnar o regulamento, mas já o terá no que diz respeito ao facto da sua aplicação depender de acto administrativo, pois aí a impugnação carecerá de um dos seus pressupostos.


II

Encontramo-nos, tal como no Caso I, na matéria relativa à impugnação de normas regulamentares.

A declaração de ilegalidade de normas emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo insere-se, de acordo com o art. 2º/2 h) CPTA, no poder dos tribunais administrativos. A mesma vai seguir a forma da acção administrativa especial, como prevê o art. 46º/2 c).

Na situação enunciada Bernardo pediu a desaplicação do regulamento municipal de licenciamento de máquinas de diversão, que obriga ao registo de todas as máquinas do seu estabelecimento, produzindo tal desaplicação efeitos circunscritos ao caso concreto. Aplicar-se-ia, portanto, o art. 73º/2.

Carlos, uma vez que o Tribunal Administrativo declarou a ilegalidade do regulamento no caso específico de Bernardo, pretende beneficiar dos efeitos da respectiva sentença.

Estaria então aqui em causa aferir a possibilidade de aplicação do art. 73º/1, de forma a obter a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral.

A legitimidade activa pertence a Carlos, pois é ele o prejudicado pela aplicação da norma (ou que possa previsivelmente vir a sê-lo em momento próximo).

Quanto à legitimidade passiva, determina o art. 10º/2 que deverá ser parte demandada o Município autor do regulamento em causa.

Contudo, não se encontra preenchido o pressuposto do art. 73º/1 respeitante ao facto da aplicação da norma ter sido recusada pelo tribunal em três casos concretos, com fundamento na sua ilegalidade. Neste caso, não temos qualquer indicação de que o regulamento tenha sido desaplicado três vezes, mas apenas na situação de Bernardo. Aliás, havendo desaplicação da norma em três casos, teria o próprio Ministério Público o dever de pedir a declaração de ilegalidade, mediante o disposto no art. 73º/4.

Assim sendo, Carlos não poderá beneficiar dos efeitos da sentença, restando-lhe a possibilidade de pedir a desaplicação da norma no seu caso concreto, nos termos do art. 73º/2, sendo que o pedido pode ser feito a todo o tempo (art. 74º).


Sara Lopo
Nº 17540
Subturma 9

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Da sujeição da Administração ao bloco de juridicidade: a problemática das omissões

1. A questão que aqui se vai tratar é, de certo, velha para quem não é, como eu, novo nestas andanças (do Contencioso e da Psicanálise..). Mas para os que só há pouco tempo começaram a ler sobre o tema e a pensar em todas as dificuldades que a necessidade de harmonização do interesse público com os direitos subjectivos dos particulares (de CADA particular) acarreta, prevalecem, em especial na análise de casos concretos, as dúvidas sobre as certezas. Ainda mais quando essa harmonização nos aparece como sendo indissociavél de uma lógica de eficiência e celeridade na actuação da Administração Pública (AP). Como nota Juliana Coutinho*, «O tempo da Justiça não é o tempo da pressa, do frenesim. O tempo em que tudo se faz pela metade e no intervalo de alguma coisa (…)» mas «também não é todo o tempo do mundo». Tal como acontece com a Justiça, se a actuação da AP não pode ser precipitada, também não deve ser demorada: «Chegar quando já não faz sentido».
E se assim em abstracto já nos parece complexa esta ponderação, mais frágil e inconstante ela se torna na aplicação ao caso concreto, pois à medida que vão surgindo todos os dias (sete vezes por semana, porque aqui não valem só os dias úteis...) as mais variadas situações a clamar tutela, vamo-nos apercebendo que as linhas de fronteira que separam os factores a serem ponderados não se traçam sempre à mesma distância, no mesmo lugar. E se não é líquido que possam ser transpostas, também não é certo que não as possamos cruzar de quando em vez.


2. Ao lembrar, por exemplo, a chamada Reserva de Administração - há uma certa zona protegida da AP: situações ou matérias em que só ela pode decidir como, quando e se deve praticar o acto – pensamos, de imediato, que faz todo o sentido que assim seja. Porém, logo concluímos que esse espaço de reserva é-o, afinal, uma zona só mais ou menos protegida, porque tem de ser compatibilizado com o exercício dos poderes jurisdicionais. Agora que estão ultrapassados os traumas da infância difícil do Contencioso Administrativo, não mais se defende que o Princípio da Separação de Poderes implica que os poderes (leia-se: as funções do Estado) sejam completamente estanques. Sabe-se, aliás, que não o devem ser, que devem antes complementar-se e limitar-se reciprocamente. A função jurisdicional tem a sua intervenção no campo reservado às outras funções legitimada devido à sua natureza de controlo – neste caso, de controlo da actividade da AP com vista a tutelar plena e efectivamente as posições jurídico-subjectivas dos particulares. Acresce que, estando a AP vinculada pelo bloco de juridicidade (e não mais de mera legalidade), está, então, necessariamente abrangida por esta possibilidade de controlo por parte da função jurisdicional. Que é como quem diz: não há por onde fugir...

 

3. De entre todas as possibilidades e formas de controlo da actuação da AP, há uma questão que me desperta especial interesse e curiosidade – quem sabe, se por, sendo da maior importância, ter sido sempre votada à irrelevância, a uma espécie de 'desterro' que é quase incompreensível para quem começa a estudar Administrativo no século XXI, quando ainda há muito para fazer mas quase tudo já foi teorizado e concretizado.
Houve uma mudança – se preferirmos, uma evolução - do pensamento jurídico global no sentido de se ir dando cada vez mais relevo às omissões, que se foram progressivamente auntonomizando – veja-se o Direito Penal (diz o art. 10º do Código Penal: «Quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a omissão da acção adequada a evitá-lo (…))» ou o art. 486º do Código Civil, com base no qual se emancipa, hoje, a doutrina dos deveres de segurança no tráfego).
As omissões da Administração Pública, embora tenham demorado a afirmar-se, não ficaram à margem desta tendência, tendo-se autonomizado enquanto forma de actuação administrativa. A prova de que ocuparam, finalmente, o lugar que mereciam no Direito Administrativo – têm hoje importância processual e substantiva - passa, como não poderia deixar de ser, pela afirmação de um Contencioso Administrativo de garantia dos particulares e em especial pelo acolhimento pelo CPTA da chamada Acção de Condenação à Prática de Acto Devido (verdadeira acção condenatória, e não meramente declarativa). Como lembra Vasco Pereira da Silva, as transformações que o Direito Administrativo precisava de sofrer (para a superação dos malfadados traumas da sua infância difícil...) nunca poderiam não ter sido lentas, porque eram profundas (o que não significa, naturalmente, que tivessem de ter sido tão lentas, especialmente em Portugal). Só isso explica a longevidade do reinado da insindicabilidade das omissões administrativas, que eram verdadeiras prerrogativas do poder, como explicam Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, em virtude da AP apenas poder ser demandada contenciosamente pelas suas condutas positivas. Desta irrelevância em sede de Contencioso resultava uma irrelevância substantiva.

4. Felizmente, o Direito Administrativo Alemão, demarcando-se do Direito Administrativo Francês e dos tradicionais dogmas (traumas) por ele invocados, passou a admitir que a Administração fosse demandada pelas suas omissões (respeitando sempre os limites da discricionariedade). Portugal seguiu-lhe as pisadas mais tarde, passando primeiro por uma fase intermédia que consagrava a figura do Indeferimento Tácito, cuja utilidade para o particular residia apenas no facto de poder recorrer contenciosamente dessa 'decisão' (melhor (?) dizendo, dessa não-decisão-que-no-entanto-lhe-negava-uma-pretensão); ainda nessa fase, passou a omissão a poder equivaler também a um deferimento tácito, o que significava que a posição jurídica do particular podia ser exercida sem que este tivesse de esperar por decisão da AP. Tudo isto, obviamente, nas situações em que já tivesse passado o prazo para a AP se pronunciar sobre uma pretensão de um particular.
Por fim, acabou por surgir a nossa condenação à prática de acto legalmente devido: consagrada no CPTA, integrada no quadro da acção administrativa especial, divide-se em duas modalidades distintas. Está sempre em causa um acto administrativo (AA) que devia ter sido emitido e não foi, embora depois haja que se destrinçar se, na perspectiva do requerente, a acção é intentada porque o AA devido foi simplesmente omitido ou porque um AA foi recusado quando não o devia ter sido. Daqui se retira que, nas situações do primeiro caso, o que se pretende obter é a prática de um AA que não foi emitido, enquanto que as situações do segundo visam também a prática de um AA, mas em substituição de um outro de conteúdo desfavorável anteriormente praticado.
O que se entende por acto legalmente devido? Explica Vieira de Andrade:
devido porque legalmente obrigatório nas circunstâncias do caso concreto.
legalmente obrigatório num sentido muito amplo: a sua omissão ou recusa é contrária à ordem jurídica. Ou seja, a imposição da prática do AA pode decorrer de normas constitucionais, internacionais ou comunitárias, de um princípio jurídico e até mesmo de um contrato. E pode ainda decorrer de «situações de inactividade comprovada da AP perante valores comunitários relevantes».

É o regresso do Direito Administrativo à teoria geral do Direito: um comportamento vinculado tem de o ser em qualquer circunstância, não podendo haver o tipo de excepções que até há bem pouco tempo se permitia que existissem e - a gravidade da questão reside aqui - passassem impunes. Tinha de estar prevista uma forma de reconstituir a situação hipotética que existiria caso tivesse sido praticado o acto que foi omitido. Concluindo: a sujeição da Administração ao bloco de juridicidade não põe em causa os seus poderes discricionários, já que se fala, precisamente, em actos vinculados.


5. Nas palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, «as omissões são virtualmente infinitas, na actividade administrativa como na vida em geral». Razão suficiente, parece-me, para merecerem um lugar ao sol em sede de Contencioso Administrativo.

 
* Assistente da FDUP



Inês Vouga
Aluna nº 21749 - subturma 9


domingo, 3 de abril de 2011

Resolução de Casos Práticos I e II – Condenação à prática de acto administrativo legalmente devido.

Resolução de Casos Práticos I e II – Condenação à prática de acto administrativo legalmente devido.

I.
·         Exposição dos factos do caso I:
·         Bruno apresenta à CMY um pedido de licenciamento, em 16 de Junho de 2008.
·         Em 16 de Julho de 2008 não obteve resposta da CMY.
·         Bruno propõe acção administrativa especial para condenação da CMY à prática de acto devido.
·         Bruno pretendia que a CMY fosse condenada a emitir a licença de construção.

A condenação à prática de acto devido vem prevista nos artigos 66.º e seguintes do CPTA.
“Acto”: «…é aquele acto administrativo que na perspectiva do autor, deveria ter sido emitido e não foi, quer tenha havido pura omissão ou uma recusa. E ainda quando tenha sido praticado um acto que não satisfaça ou não satisfaça integralmente uma pretensão…» (In: “A justiça Administrativa – Lições”, Andrade, José Carlos Vieira de, 11.ª edição, 2011, Almedina.)
Bruno sustenta-se no disposto no artigo 67.º/1/a) do CPTA; o artigo 67.º do CPTA parece exigir sempre um procedimento prévio, da iniciativa do interessado, Bruno, em regra um requerimento dirigido ao órgão competente, com a pretensão de obter a prática de um acto administrativo.
Legitimidade activa, in casu, pode apresentar este pedido quem tenha a titularidade de direitos ou interesses protegidos dirigidos à emissão desse acto, ou seja, Bruno tem legitimidade activa para apresentar o pedido em causa.
Legitimidade Passiva, in casu, é demandada obrigatoriamente a entidade competente responsável pela omissão, bem como os contra-interessados, determinando um litisconsorcio necessário, vide artigo 68.º/2 do CPTA. Nos termos do artigo 10.º/2 do CPTA a parte demandada é a pessoa colectiva, ou seja, o Município a que pertence o órgão competente, isto é a CMY, para a prática do acto devido.
Quanto aos prazos, o prazo de propositura da acção depende de ter havido inércia do órgão CMY, artigo 69.º do CPTA. O prazo é de um ano, em caso de omissão, contado desde o termo do prazo legalmente estabelecido para a emissão do acto, ou seja, após ter sido ultrapassados 90 dias para que o órgão emite-se a sua decisão, vide, norma supletiva do CPA que refere o prazo de 90 dias, artigo 58.º do CPA.
Em articulação com os dados do caso, de 16 de Junho a 16 de Julho de 2008 passou um mês. De encontro com a previsão legal a CMY teria um prazo de 90 dias para proferir a sua decisão e não um mês. Bruno só poderia intentar acção por omissão de acto administrativo legalmente devido em 16 de Agosto de 2008, se a CMY não se tivesse pronunciado, contudo ainda assim se poderia colocar a questão do deferimento tácito por parte da CMY, em que a lei pode ligar a omissão do órgão a outras consequências como o deferimento tácito pelo silêncio, nestes casos a consequência não será a de um incumprimento, vide artigo 108.º do CPA, respectivamente os números 1, 2 e 3 alínea a), ou seja licenciamento de obras particulares.
Deste modo concluímos que a CMY tem razão quanto aos argumentos que utiliza perante a pretensão de Bruno.

II.
Alberto pretende que o Ministério da Agricultura lhe conceda um subsídio para fazer face aos danos da praga de insectos que lhe destruiu toda a sua produção vinícola.
Aberto deve pelo disposto no artigo 67.º do CPTA fazer um procedimento prévio, ou seja, um requerimento dirigido ao órgão competente, com a pretensão de obter a prática de um acto administrativo, nomeadamente o previsto no artigo 67.º, n.º1, alínea b) do CPTA, ou seja, recusa da prática do acto devido, indeferimento total e directo da pretensão substantiva.
Quanto à legitimidade passiva, é demandada a entidade competente responsável pela omissão, neste caso indeferimento, e são obrigatoriamente demandados os contra-interessados aqui em litisconsorcio necessário, pelo artigo 68.º, n.º 2 do CPTA.
Porém, nos termos previsto no artigo 10.º, n.º2 do CPTA é a pessoa colectiva ou seja o Ministério da Agricultura.
O Prazo de propositura da acção dependerá de ter havido um indeferimento, vide artigo 69.º do CPTA. O Prazo da acção de Alberto é de 3 meses, contando agora da notificação do indeferimento, aplicando-se aqui as regras gerais estabelecidas para o prazo de impugnação no artigo 58.º do CPTA incluindo as relativas às impugnações administrativas, tal como decorre do n.3 do artigo 69.º do CPTA.
Podemos concluir que o Ministério da Agricultura procedeu a um indeferimento tácito pelo disposto no artigo 109.º, n.º1 e n.º 2 do CPA uma vez que decorreram 6 meses após o pedido ao Ministério da Agricultura para se pronunciar sobre o subsídio e nada o fez. O particular contava com 90 dias para que a Administração se pronuncia-se e pelo n.º 1 do artigo 109.º do CPTA ultrapassados 90 dias (n.º2 do artigo 109 CPA) o Alberto tem legitimidade para presumir indeferida a sua pretensão.
O argumento do Ministério da Agricultura a respeito do meio utilizado por Alberto é erróneo, na medida em que, Alberto tem legitimidade pelo artigo 66.º, n.º1, alínea a) do CPTA, bem como em, sede de impugnação de actos administrativos, na medida em que o Ministério da Agricultura recusou a atribuição do subsídio a Alberto, pelo disposto no artigo 55.º/1/a) do CPTA, este também tem legitimidade activa em virtude de ser titular de um interesse directo e pessoal na demanda.
Além disso, consideramos que o Ministério da Agricultura colocou mal a questão, visto que Alberto apresentou um requerimento para lhe ser atribuído um subsídio e não um pedido de pagamento de um subsídio e quando se trata de decidir pela atribuição de um subsídio a um particular a Administração pratica um acto administrativo constitutivo de direitos.
Logo, a Administração, ou seja, o Ministério da Agricultura teria que responder a Alberto e o meio mais adequado era a acção para condenação à prática do acto administrativo legalmente devido.
Bibliografia:
Silva, Vasco Pereira, “O Contencioso no divã da Psicanálise”, Almedina, 2.ª edição 2009.
Andrade, José Carlos Vieira de, “A Justiça Administrativa”, Almedina, 11.ª edição, 2011.

Aluno: Hélio de Sousa.
17307 – Sub-turma 9.