domingo, 1 de maio de 2011

As Providências Cautelares no Contencioso Administrativo

 
   Desde 1997 que a Constituição Portuguesa consagra expressamente a protecção cautelar adequada como uma dimensão do princípio da tutela judicial efectiva dos direitos dos administrados (art.268.º nº4).
   No CPTA, o regime dos processos cautelares encontra-se previsto nos arts.112.º e seguintes.
   Apenas com a Reforma foi concedido aos tribunais administrativos o “poder de decretar todo o tipo de providências cautelares” (na expressão dos Professores Aroso de Almeida e Freitas do Amaral). Antes da Reforma, os processos cautelares reduziam-se à suspensão da eficácia de actos administrativos (art.76.º LPTA), sendo este um meio acessório e bastante precário dado que por um lado, só valia relativamente aos actos administrativos positivos, e, por outro, a sua procedência seria desde logo impossibilitada se daí resultasse um prejuízo grave para o interesse público, dispensando-se com isto toda uma ponderação dos interesses em causa.
   Uma providência cautelar consiste num processo judicial instaurado como preliminar a uma acção, ou na pendência desta, como seu incindente, destinado a prevenir ou afastar o perigo resultante da demora a que está sujeito o processo principal.
As providências cautelares caracterizam-se fundamentalmente pelos traços da:
a)      Instrumentalidade: em relação ao processo principal (art.113.º/1 CPTA), sendo que ao serem instauradas são imediatamente indeferidas liminarmente se não se referirem ao processo principal. As providências cautelares só podem ser desencadeadas por quem tenha legitimidade para intentar um processo principal e definem-se por referência a este, em ordem a assegurar a utilidade da sentença que nele virá a ser proferida (art.112.º/1). Encontramos reflexos da instrumentalidade desde logo no art.113.º que nos diz que “o processo cautelar depende da causa que tem por objecto a decisão sobre o mérito”. Se o processo cautelar for intentado em momento anterior ao das instauração do processo principal ele é intentado como preliminar, daí que as providências cautelares que vierem a ser adoptadas caduquem se o requerente não fizer uso, no prazo de três meses, do meio principal adequado (art.123.º/2). Para mais, as providências cautelares também caducam se o processo principal estiver parado durante mais de três meses por negligência do interessado ou se nele vier a ser proferida decisão transitada em julgado desfavorável às suas pretensões (art.123.º/1).
b)      Provisoriedade: consiste na possibilidade de o tribunal revogar, alterar ou substituir, na pendência do processo principal, a sua decisão de adoptar ou recusar a adopção de providências cautelares se tiver ocorrido uma alteração relevante das circunstâncias inicialmente existentes (art.124.º/1), designadamente por ter sido proferida, no processo principal, decisão de improcedências de que tenha sido interposto recurso com efeito suspensivo (art.124.º/3).
c)       Sumariedade: o tribunal deve proceder a uma cognição sumária da situação de facto e de direito, ou seja, a meras apreciações superficiais, baseadas num juízo sumário sobre os factos a apreciar, evitando antecipar juízos definitivos que, em princípio, só devem ter lugar no processo principal.
   A decisão cautelar necessita, ainda, de reunir certos requisitos para que possa ser tomada. Um desses requisitos é a:
·         Perigosidade (“periculum in mora”): a medida cautelar, ao visar a garantia da utilidade da sentença, pressupõe sempre a existência de um perigo de inutilidade total ou parcial de uma pronúncia administrativa. Deste modo, o art.120.º exige que “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”. Caberá ao juiz fazer um juízo de prognose tentando avaliar se há razões para crer que uma determinada sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar.
   Com a reforma, foi também conferido valor ao:
·         Fomus boni iuris” ou aparência de direito: atribui ao juiz o poder/dever de avaliar a probabilidade, em termos sumários, da procedência da acção principal. Isto é, o juiz deve avaliar a existência do direito invocado pelo particular ou da ilegalidade que ele diz existir. Quando se verifique uma manifesta falta de fundamento da pretensão principal, deve sempre ser recusada qualquer providência, ainda que apenas conservatória.
   Questão interessante é a que se segue. Freitas do Amaral veio defender que caso o Tribunal possua uma dúvida insanável sobre se deve ou não conceder a providência que lhe seja solicitada pelo particular, dever-se-à analisar o conteúdo do direito que está em causa. Deste modo, caso se trate de um direito fundamental do particular, o Tribunal deve dar prioridade a este decretando a providência cautelar. Se não estiver e a Administração Pública alegar a necessidade de decidir ou executar uma decisão para proferir um forte interesse público que corresponda a uma das tarefas fundamentais da Administração Pública definidas na Constituição, e que tenha carácter urgente, não podendo portanto esperar pela decisão do processo principal, então o Tribunal deverá indeferir o requerimento da providencia cautelar. A garantia dos direitos fundamentais deve presumir-se, salvo prova em contrário, prioritária em relação à protecção de interesses públicos.
   As providência cautelares têm ainda de obedecer quanto ao seu conteúdo à ideia de:
·         Necessidade e adequabilidade: O art.º120/3 diz-nos que as providências devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente. Desta forma, o juiz deverá limitar-se ao uso do meio mais adequado e menos gravoso dentro dos possíveis a aplicar.
   Ainda, e por último, de referir como característica a:
·         Urgência: os processos cautelares são processos urgentes e têm uma tramitação autónoma em relação ao processo principal, sendo apensados a este (art.113.º/2).
   No que concerne à legitimidade, esta cabe aos particulares (referência no art.112.º/1), ao Ministério Público (aqrt.124.º/1) e a quem quer que actue no exercício da acção popular ou impugne um acto administrativo.
   Existem duas modalidades de providências cautelares:
- Providências conservatórias: situações em que o interessado pretende manter ou conservar um direito em perigo, evitando que ele seja prejudicado por medidas que a administração venha a adoptar.
- Providências antecipatórias: por vezes, é conveniente antecipar, a título provisório, o resultado favorável pretendido no processo principal. Nestas situações, a tutela cautelar caracteriza-se na imposição de uma ordem no sentido de a Administração adoptar as medidas necessárias para minorar as consequências do retardamento da decisão sobre o mérito da causa.
   Mais uma das novidades da Reforma consiste na possibilidade de convolação da tutela cautelar em tutela final urgente que se concretiza na antecipação, no processo cautelar, da decisão sobre o mérito da causa (art.121.º). Não obstante, os requisitos legais para que haja convolação são bastante exigentes:
      - Estejam em causa interesses de especial importância, designadamente, direitos fundamentais;
      - O Tribunal entenda que possui todos os elementos necessários para a boa apreciação da causa principal;
      - Seja necessária a decisão a título definitivo da causa principal.
   A lei estabelece também que pode haver decretamento provisório das providências regido pelo art.131.º e que impõe uma tramitação própria e um regime de notificações que deve ser obedecido. Este regime poderá ser motivado quer pela urgência especial, quer pela necessidade de uma protecção qualificada de direitos, liberdades e garantias. Para além disto, o nº3 exige que a lesão de um direito, liberdade e garantia seja “iminente e irreversível” e o nº1 exige que não seja possível tutelar as posições jurídicas já mencionadas “em tempo útil”.
   Por último, fica uma pequena observação.
   As providências cautelares são dotadas de uma plenitude de protecção, tendo em conta que a lei, em cumprimento da garantia constitucional, admite providências de quaisquer tipos, desde que sejam adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir num determinado processo e sem quaisquer limitações que não sejam as que resultam da natureza das coisas e dos limites funcionais da jurisdição administrativa. Com a Reforma, pode agora pedir-se ao juiz tudo o que seja adequado e que ele possa fazer, tendo em conta os espaços de avaliação e de decisão próprios da Administração. A meu ver, se antes da Reforma a tutela cautelar era muito reduzida, hoje é demasiado extremista.

Bibliografia:
- ALMEIDA, Mário Aroso de – “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 2005, Almedina
- ALVES, Eduardo André Galante – “O Procedimento Cautelar no Contencioso Administrativo” – Relatório de Mestrado em Ciências jurídico-políticas, 2008, Faculdade de Direito de Lisboa
- AMARAL, Diogo Freitas de – “As Providências Cautelares no Novo Contencioso Administrativoin Cadernos de Justiça Administrativa, nº43
- ANDRADE, José Carlos Vieira de – “A Justiça Administrativa” (Lições) 8.ª edição, 2007, Almedina

Trabalho publicado por:
Silvia Santos nº16949

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