domingo, 8 de maio de 2011

O actual sistema de justiça administrativa



                Após diversos anteprojectos de alteração da legislação no âmbito da justiça administrativa, foram sujeitos a discussão pública em 2000 três anteprojectos, a saber: “Estatuto dos Tribunais Administrativos e Tributários”, “Código de Processo nos Tribunais Administrativos” e um diploma sobre “Comissões de Conciliação Administrativa”, sendo que, estes três anteprojectos, foram elaborados a partir de projectos anteriores e no quadro de directrizes governamentais, por uma comissão de magistrados dos tribunais administrativos com aperfeiçoamentos deveras relevantes.
                Na sequência de uma vasta discussão pública, o Ministro da Justiça estabeleceu, por despacho publicado em Diário da República, as orientações internas para a elaboração dos respectivos projectos, tendo resultado na aprovação pelo Governo, em Junho de 2001, de duas propostas de lei: uma de alteração do “Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais”, outra, de aprovação de um “Código de Processo dos Tribunais Administrativos”. Destas propostas resultaram o “Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais” (a partir de agora designado por ETAF), aprovado pela Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro, bem como o Código do Processo dos Tribunais Administrativos (a partir de agora designado por CPTA), aprovado pela lei 15/2002, de 22 de Fevereiro.
                Com o novo ETAF estabeleceram-se novos critérios de delimitação do âmbito da jurisdição administrativa. Pretendeu-se, sobretudo, clarificar os critérios de delimitação da jurisdição administrativa tendo em vista facilitar o efectivo acesso à tutela jurisdicional dos interessados, evitando conflitos de competência que apenas redundam na morosidade acrescida do funcionamento da justiça.
                Este modelo alterou o anterior num sentido subjectivista, próximo do modelo alemão, mantendo ou introduzindo ainda algumas notas objectivistas.
                Várias foram as alterações introduzidas através do ETAF, aprovado pela Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro, estabelecendo-se novos critérios de delimitação do âmbito da jurisdição administrativa. Pretendeu-se então, clarificar os critérios de delimitação da jurisdição administrativa, tendo em vista facilitar o efectivo acesso à tutela jurisdicional dos interessados, evitando conflitos de competência em que apenas redundam numa morosidade acrescida do funcionamento da justiça. Quanto ao âmbito da jurisdição administrativa, esta vem definida pelos critérios enunciados nos artigos 1º e 4º do ETAF, norma essa que atribui aos tribunais administrativos competência para conhecer e julgar de:

*       Actos pré-contratuais e contratos, praticados ou celebrados ao abrigo de normas de direito público (alíneas e) e f) do n.º1 do artigo 4º do ETAF). O ETAF atribui aos tribunais administrativos competência para julgar questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos, sempre que se verifique uma das seguintes situações: i) contrato de objecto passível de acto administrativo; ii) existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do novo regime substantivos; iii) uma das partes seja uma entidade pública ou concessionária e as partes contratuais sujeitem o contrato a um regime de direito público; iv) o procedimento pré-contratual que antecede a celebração do contrato seja regulado por normas de direito público. Mantém-se, portanto, a competência dos tribunais administrativos em função da natureza do contrato, mas acrescenta-se o critério da natureza do procedimento pré-contratual subjacente, abrangendo-se, assim, contrato celebrados entre pessoas colectivas de direito público, entre estas e pessoas colectivas de direito privado, ou ainda, entre diversas pessoas colectivas de direito privado.
A competência dos tribunais administrativos é ainda alargada aos processos de impugnação de actos pré-contratuais constantes de procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público, salvaguardando-se a possibilidade de cumulação entre o pedido de impugnação de um destes actos com pedidos relativos ao contrato posteriormente celebrado (artigo 47º n.º2 al. c) CPTA).
*       Questões de responsabilidade civil extracontratual do Estado ou dos seus órgãos, funcionários, agentes ou servidores (alíneas g), h) e i) do n.º1 do artigo 4.º ETAF).
Deste modo é assim atribuída competência aos tribunais administrativos para julgar pedidos de indemnização fundados em actos praticados no exercício das funções jurisdicional e legislativa, embora os mesmos não sejam competentes para os processos de impugnação dos actos causadores e dos danos (al. a) do n.º2 do artigo 4.º do ETAF). Em relação ainda à responsabilidade fundada no exercício da função jurisdicional, optou-se pela inclusão apenas no âmbito da jurisdição administrativa a que resulte do funcionamento da administração da justiça (alínea f) do n.º1 do artigo 4.º do ETAF). Assim a responsabilidade do Estado e a correspondente acção de regresso fundada em erro judiciário apenas se integram no âmbito do contencioso administrativo quando respeitem a facto resultante da actividade dos tribunais administrativos (al. a) do n.º3 do artigo 4.º ETAF).
*       Litígios entre pessoas colectivas de direito público e entre órgãos públicos (alínea j) do n.º1 do artigo 4.º ETAF). O ETAF prevê de forma clara e expressa a competência dos tribunais administrativos para a resolução de litígios entre pessoas colectivas de direito público e entre órgãos públicos, no âmbito dos interessas que lhes incumbe prosseguir. Trata-se de uma importante inovação, que surge no seguimento de novas linhas de entendimento do relacionamento entre entidades públicas, sendo cada vez mais frequentes os litígios entre elas pelo facto de nem sempre prosseguirem interesses coincidentes.
*       Execução de sentenças administrativas (alínea n) do n.º1 do artigo 4.º ETAF). Os tribunais administrativos passam a deter a competência plena e exclusiva para execução das suas próprias sentenças, pondo assim termo a um sistema dúbio e moroso, no que respeita ao processo executivo de sentenças administrativas. Esta inovação pressupõe a configuração de meios processuais verdadeiramente executivos no novo modelo de contenciosos administrativo.

Pode-se então concluir que, em relação ao âmbito de jurisdição administrativa, a tendência é para a ampliação do âmbito tradicional, nomeadamente no que respeita aos contratos que envolvam a aplicação de direito público e quanto à responsabilidade civil não apenas por actos praticados no exercício da função administrativa mas também por actos das funções legislativa e jurisdicional.
Consagra-se agora também o principio da tutela jurisdicional efectiva (artigo 2.º n.º1 CPTA), incluindo a tutela cautelar, sendo que para que não haja dúvidas, são mesmo elencados os diversos conteúdos das pretensões possíveis juntos dos tribunais e os correspondentes poderes do juiz, incluindo pretensões e poderes declarativos, constitutivos, condenatórios, intimativos, preventivos e executivos (artigo 2 n.º2 CPTA). Dentro destas pretensões são de destacar: a condenação à pratica de acto administrativo devido, a condenação à não emissão de actos administrativos, a intimação para a adopção ou abstenção de comportamentos administrativos, a condenação ao cumprimento de deveres de prestação e ao restabelecimento de direitos ou interesses violados por actos administrativos e a declaração da ilegalidade por omissão de regulamentos, bem como a resolução de litígios entre privados e entre órgãos da mesma pessoa colectiva pública.
Foi também alterada a definição dos meios processuais principais, criando-se duas formas processuais: a acção administrativa comum e a acção administrativa especial. O recurso de anulação deixou de ser considerado o meio normal do contencioso administrativo, perdendo mesmo o seu nome anterior de recurso, deixando assim de ser utilizado contra omissões e, em princípio, contra indeferimentos; juntamente com a condenação à prática de acto devido e à declaração de ilegalidade de normas ou da respectiva omissão, passa a constituir um dos pedidos a formular na acção administrativa especial – artigo 46º CPTA. Também a acção para o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos deixa de constituir um meio autónomo e, desdobrada em pedidos declarativos e condenatórios, integra, justamente com as acções tradicionais, a acção administrativa comum (artigo 37º CPTA).
       Admite-se também a cumulação de pedidos, em função da mesma relação jurídica ou da mesma matéria de facto ou de direito (artigo 4.º CPTA).
       Em relação à tramitação das acções administrativas especiais, estabelecem-se regras uniformes (artigos 35.º n.º2; 78.º e seguintes do CPTA), contendo particularidades relativas à impugnação de actos (artigos 50.º e seguintes CPTA), à condenação de prática de actos devidos (artigos 66.º e seguintes do CPTA), e aos processos relativos a normas (artigos 72.º e seguintes CPTA), para além de se estabelecerem processos principais urgentes, em que se reúnem impugnação e intimações urgentes (artigos 99.º e seguintes CPTA).
       Quanto à impugnação de actos, mantém-se um conceito muito vasto de legitimidade, incluindo o Ministério Publico e os titulares de interesse directo na anulação do acto, e até se alarga a pessoas colectivas e aos órgãos administrativos, bem como, no âmbito da acção popular a qualquer cidadão e a titulares de interesses difusos, incluindo as autarquias – artigos 55 e 9.º n.º2 CPTA).
       O Ministério Público continua a ter um papel processual relevante para a fiscalização da legalidade, sobretudo no que respeita ao poder geral de iniciativa, podendo também dar parecer sobre o mérito e a invocação de novos vícios, apesar de lhe terem retirado alguns dos seus poderes processuais, limitando a intervenção na fase instrutória e suprimindo a vista final e a participação na sessão de julgamento (artigos 58.º n.º2, 62.º, 73.º 3 a 5; 77.º; 85.º; 104.º n.º2; 146.º; 152.º e 155.º CPTA).
Com a reforma consagrou-se também o princípio da igualdade de armas entre o recorrente e a Administração; alargou-se substancialmente a protecção cautelar dos administrados (artigos 112.º e seguintes CPTA) e por fim, a par do alargamento dos poderes de pronúncia do juiz, regula-se o processo executivo no sentido de aperfeiçoamento das garantias dos particulares e da legalidade contra a inexecução ilegítima de sentenças administrativas, reforçando a garantia da efectividade das decisões judiciais.

Fonte:

“O Contencioso Administrativo no divã da psicanálise – Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo” – Vasco Pereira da Silva
“A justiça Administrativa” – José Carlos Vieira de Andrade               

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