terça-feira, 24 de maio de 2011

Procedimento Cautelar

“No respeitante à facilidade com que são admitidos os processos cautelares, é de advertir para o risco que uma tal visão das coisas pode criar para o normal e regular funcionamento do sistema de justiça administrativa, deslocando, na prática, para esses processos prévios e acessórios, a decisão de parte significativa dos litígios que devia ter lugar nos processos principais, processos estes que, assim, mais não serão do que uma mera repetição dos processos cautelares”Casalta Nabais
Esta preocupação explanada pelo professor Casalta Nabais deriva do aumento de importância que os procedimentos cautelares passaram a ter na nova reforma do contencioso administrativo português, sendo hoje parte significativa dos problemas que a nova justiça administrativa tem de enfrentar. É portanto de especial importância esclarecer qual é o verdadeiro papel destas pretensões cautelares, por causa do peso que têm no actual contencioso, e também pelo facto de ser uma preocupação de grande parte da população a celeridade das respostas que a Administração tem de dar a estas situações.
Antes da reforma de 2002, que instituiu o CPTA, os procedimentos cautelares eram regulados pelo art. 76º da LPTA. Nos termos desse artigo, o procedimento apenas poderia levar à suspensão da eficácia do acto administrativo, estando ainda submetido a restritos requisitos pedidos pela letra da lei. Comparando esta situação com o cenário actual, é fácil concluir que os meios existentes antes da reforma não permitiam com grande eficácia atingir o grande objectivo dos procedimentos cautelares: acautelar os direitos existentes, com reflexos na utilidade da sentença final do processo. Mas alargando-se os meios, também se alargam hoje os desafios: há que garantir que os procedimentos cautelares não extravasam esse seu âmbito auxiliar e provisório.
Actualmente, o regime dos processos cautelares encontra-se nos artigos 112º e seguintes do CPTA. Nos termos do art. 121º nº1, as providências cautelares serão aceites na medida em que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo, visem elas a produção provisória de efeitos ou a salvaguarda de uma situação já existente. Importa, para este tema, analisar duas das principais características desta figura:
- em primeiro lugar, atendendo ao disposto no art. 113º, importa não esquecer que as providências cautelares desempenham um carácter instrumental face ao processo principal, sendo a sua finalidade auxiliar na salvaguarda da utilidade da sentença do processo principal, podendo até concluir-se isto mesmo através da análise dos requisitos sobre o momento e a forma do pedido (art. 114º);
- em segundo lugar, conforme se retira do sentido do art. 124º, a providência cautelar tem necessariamente natureza provisória, podendo ser alterada ou revogada pelo juiz, na medida em que tem de se articular com o decurso da causa principal, de modo a não tornar a sua sentença inútil.
Tem então de se garantir efectivamente que os procedimentos cautelares cumprem o seu objectivo intrínseco: acautelar a situação jurídica em causa, deixando para a causa principal a decisão definitiva sobre o caso (que é, aliás, o que resulta do espírito da lei).
Mas há também que ter em conta o art. 121º nº1, nos termos do qual, tendo em conta a situação em causa, o tribunal pode apreciar a titulo definitivo a causa principal, quando tenham sido colocados no processo todos os elementos necessários à decisão.
É necessário interpretar esta regra com alguma cautela, sob pena de grande parte dos processos cautelares, que em maior ou menor medida encaixem nesta norma, levem a uma decisão da causa principal. Este não deve ser um mecanismo para utilizar em todos os casos; deve sim entender-se como sendo um mecanismo que complementando o restante regime do CPTA, dê resposta a verdadeiras situações de urgência na obtenção de uma pronuncia sobre o mérito da causa. Quanto tal urgência não se verifique, devem ser utilizados os trâmites normais que levem a uma decisão por parte das instâncias jurisdicionais.
Assim sendo, apenas deve ser produzida decisão ao abrigo do art. 121º quando se verifiquem cumulativamente três requisitos:
1)      Estejam em causa interesses de especial importância;
2)      O tribunal entenda que possui todos os elementos necessários para a boa apreciação da causa principal;
3)      Exista urgência na obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa.
Portanto, esta conversão do processo cautelar em processo principal é uma verdadeira antecipação processual, nas situações em que se verifique manifesta urgência na resolução definitiva do caso. Entende-se deste modo as condições apertadas que a lei impõe para a sua admissibilidade, pois nestes casos o juiz tem apenas conhecimento sumário sobre a causa em questão. Assume então um carácter excepcional, que exige uma grande prudência e ponderação dos interesses envolvidos no processo em causa; aliás, prudência e ponderação essa que se exige em todos os procedimentos cautelares, sob pena de se subverterem os seus verdadeiros propósitos.

Sem comentários:

Enviar um comentário