“No respeitante à facilidade com que são admitidos os processos cautelares, é de advertir para o risco que uma tal visão das coisas pode criar para o normal e regular funcionamento do sistema de justiça administrativa, deslocando, na prática, para esses processos prévios e acessórios, a decisão de parte significativa dos litígios que devia ter lugar nos processos principais, processos estes que, assim, mais não serão do que uma mera repetição dos processos cautelares” – Casalta Nabais
Esta preocupação explanada pelo professor Casalta Nabais deriva do aumento de importância que os procedimentos cautelares passaram a ter na nova reforma do contencioso administrativo português, sendo hoje parte significativa dos problemas que a nova justiça administrativa tem de enfrentar. É portanto de especial importância esclarecer qual é o verdadeiro papel destas pretensões cautelares, por causa do peso que têm no actual contencioso, e também pelo facto de ser uma preocupação de grande parte da população a celeridade das respostas que a Administração tem de dar a estas situações.
Antes da reforma de 2002, que instituiu o CPTA, os procedimentos cautelares eram regulados pelo art. 76º da LPTA. Nos termos desse artigo, o procedimento apenas poderia levar à suspensão da eficácia do acto administrativo, estando ainda submetido a restritos requisitos pedidos pela letra da lei. Comparando esta situação com o cenário actual, é fácil concluir que os meios existentes antes da reforma não permitiam com grande eficácia atingir o grande objectivo dos procedimentos cautelares: acautelar os direitos existentes, com reflexos na utilidade da sentença final do processo. Mas alargando-se os meios, também se alargam hoje os desafios: há que garantir que os procedimentos cautelares não extravasam esse seu âmbito auxiliar e provisório.
Actualmente, o regime dos processos cautelares encontra-se nos artigos 112º e seguintes do CPTA. Nos termos do art. 121º nº1, as providências cautelares serão aceites na medida em que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo, visem elas a produção provisória de efeitos ou a salvaguarda de uma situação já existente. Importa, para este tema, analisar duas das principais características desta figura:
- em primeiro lugar, atendendo ao disposto no art. 113º, importa não esquecer que as providências cautelares desempenham um carácter instrumental face ao processo principal, sendo a sua finalidade auxiliar na salvaguarda da utilidade da sentença do processo principal, podendo até concluir-se isto mesmo através da análise dos requisitos sobre o momento e a forma do pedido (art. 114º);
- em segundo lugar, conforme se retira do sentido do art. 124º, a providência cautelar tem necessariamente natureza provisória, podendo ser alterada ou revogada pelo juiz, na medida em que tem de se articular com o decurso da causa principal, de modo a não tornar a sua sentença inútil.
Tem então de se garantir efectivamente que os procedimentos cautelares cumprem o seu objectivo intrínseco: acautelar a situação jurídica em causa, deixando para a causa principal a decisão definitiva sobre o caso (que é, aliás, o que resulta do espírito da lei).
Mas há também que ter em conta o art. 121º nº1, nos termos do qual, tendo em conta a situação em causa, o tribunal pode apreciar a titulo definitivo a causa principal, quando tenham sido colocados no processo todos os elementos necessários à decisão.
É necessário interpretar esta regra com alguma cautela, sob pena de grande parte dos processos cautelares, que em maior ou menor medida encaixem nesta norma, levem a uma decisão da causa principal. Este não deve ser um mecanismo para utilizar em todos os casos; deve sim entender-se como sendo um mecanismo que complementando o restante regime do CPTA, dê resposta a verdadeiras situações de urgência na obtenção de uma pronuncia sobre o mérito da causa. Quanto tal urgência não se verifique, devem ser utilizados os trâmites normais que levem a uma decisão por parte das instâncias jurisdicionais.
Assim sendo, apenas deve ser produzida decisão ao abrigo do art. 121º quando se verifiquem cumulativamente três requisitos:
1) Estejam em causa interesses de especial importância;
2) O tribunal entenda que possui todos os elementos necessários para a boa apreciação da causa principal;
3) Exista urgência na obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa.
Portanto, esta conversão do processo cautelar em processo principal é uma verdadeira antecipação processual, nas situações em que se verifique manifesta urgência na resolução definitiva do caso. Entende-se deste modo as condições apertadas que a lei impõe para a sua admissibilidade, pois nestes casos o juiz tem apenas conhecimento sumário sobre a causa em questão. Assume então um carácter excepcional, que exige uma grande prudência e ponderação dos interesses envolvidos no processo em causa; aliás, prudência e ponderação essa que se exige em todos os procedimentos cautelares, sob pena de se subverterem os seus verdadeiros propósitos.
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