domingo, 1 de maio de 2011

Dicotomia entre Acção Administrativa "Comum" e Acção Administrativa "Especial"


Comentário - << A dita acção administrativa “especial” vai passar a ser “comum” e a dita “acção comum” vai passar a ser, na prática, a “especial”. Estamos, portanto, perante um fenómeno de “troca de nomes”, se não mesmo de “troca de identidades”, já que a acção “comum” do contencioso administrativo – e isto no duplo sentido de acção mais frequente e de acção mais característica do contencioso administrativo – é, efectivamente, a denominada acção administrativa “especial”. >>

                                                                                         Vasco Pereira da Silva


Para que o direito fundamental a uma tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares seja assegurado, o Código de Processo Administrativo regulou os seguintes meios processuais: i) acção administrativa comum (art. 37º ss); ii) acção administrativa especial (art. 46º ss); iii) processos cautelares (art.112º ss); iv) e processo executivo (art. 157º ss).
Sendo de considerar a acção administrativa comum e a acção administrativa especial como meios processuais principais do Contencioso Administrativo.

Parece resultar dos arts. 37º e 46º do Código de Processo Administrativo, que o critério do legislador para distinguir entre a acção comum e a acção especial seria um critério de exclusão de partes.  Ou seja, pertencem à acção administrativa comum todos os litígios administrativos não especialmente regulados, integrando a acção administrativa especial os processos relativos a actos e regulamentos administrativos. Este critério assenta num tratamento processual diferenciado das duas particulares formas de actuação administrativa, que são o acto e o regulamento, pois todos os litígios que lhes digam respeito constituem matéria de acção administrativa especial, os restantes integram a acção administrativa comum.

Contudo, a terminologia utilizada têm sido alvo de fortes críticas por parte da doutrina.
O Professor Vasco Pereira da Silva fala mesmo da necessidade de modificação dos respectivos nomes ( acção “comum” e acção “especial”) numa futura revisão do Contencioso Administrativo. Segundo ele a denominação de acção administrativa especial é infeliz por várias ordens de razões.  Nos nossos dias não é justificável a “excepcionalidade” de certas formas de actuação administrativa que correspondia a um paradigma de actuação autoritária, típico de uma Administração agressiva, que em nada se identifica com a moderna Administração prestadora e infra-estrutural, tal como não é justificável uma qualquer limitação dos poderes do juiz face à evolução do Contencioso Administrativo plenamente jurisdicionalizado e destinado à tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares. A reforma afastou também as “clássicas” limitações dos poderes de pronúncia do juiz perante actos administrativos, sendo permitido quer a anulação de actos como a condenação na prática de actos administrativos devidos. Em suma, o Contencioso Administrativo passou a ser de plena jurisdição em detrimento  de um contencioso de mera anulação. Da mesma forma deve considerar-se ultrapassada a concepção do Direito Administrativo como um conjunto de “excepções” ao Direito Civil, assim como a concepção de um Processo Administrativo como um conjunto de regras e meios excepcionais ao Processo Civil, que seria o “comum”. Sendo igualmente infeliz a técnica legislativa de regulação apenas da acção administrativa especial e remeter o regime jurídico da acção administrativa comum para o Código de Processo Civil.
O autor aponta ainda outra reserva à delimitação do âmbito de aplicação da acção administrativa comum da especial, que se prende com o regime da cumulação de pedidos previsto nos arts. 4º e 5º do Código de Processo Administrativo.  Resulta destes preceitos que, sempre que os pedidos cumulados correspondam a diferentes formas de processo, adopta-se a forma de acção administrativa especial. Daqui resultando uma consequência óbvia, nas palavras do professor, de que a dita acção administrativa “especial” vai passar a ser “comum” e a dita acção “comum” vai passar a ser, na prática, a “especial”.

Contrariamente ao já exposto, alguma doutrina, designadamente Sérvulo Correia e Mário Aroso de Almeida,  perfilham o critério de exclusão de forma a delimitar o âmbito de aplicação da acção administrativa comum, visto que seguem esta forma todos os processos que não seja formulada nenhuma das pretensões para as quais, nem o Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos, nem legislação avulsa, estabeleça um modelo especial de tramitação. Segundo o primeiro autor, a acção administrativa comum é o processo comum do contencioso administrativo, na medida em que se trata da forma de processo que podendo culminar com sentenças condenatórias, de simples apreciação e constitutivas, recebe no seu âmbito todos os litígios jurídico-administrativos excluídos pela incidência típica dos restantes meios processuais. Por sua vez, a acção administrativa especial engloba o contencioso anulatório e o contencioso das omissões administrativas. Quanto ao argumento utilizado pelo Professor Vasco Pereira da Silva relativo ao regime da cumulação de pedidos, esta segunda categoria de autores justifica-se com o facto de estarem em causa actuações da Administração que envolvem o exercício de poderes de autoridade que impõem certas especificidades no modelo processual a seguir.

Muito embora a designação utilizada pelo legislador suscite grandes dificuldades terminológicas e linguísticas , parece não ser possível sustentar a existência de um fenómeno de “troca de nomes” e eventualmente uma alteração legislativa nesse sentido.

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